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Cris Guterres

Não me chame de "menina": por que esse tratamento diminui as mulheres

Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista de Universa

13/01/2021 04h00

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Ainda muito jovem descobri que as mulheres precisam ser duas vezes mais competentes e qualificadas do que os homens para serem consideradas boas. Se estivermos nos referindo às mulheres não brancas, este esforço requer ainda mais sangue, suor e lágrimas.

Com o decorrer dos anos, o desenrolar da carruagem e as pedras que foram surgindo no meu caminho, foi ficando cada vez mais evidente como a sutileza do machismo nosso do dia a dia transforma homens em máquinas de moer mulheres.

Ando engasgada com um cliente. Um homem branco com pouco mais de 60 anos. Frequenta diariamente o nosso restaurante e a cada dia aumenta ainda mais a minha vontade de demiti-lo.

Sim, eu demito clientes. Empreendedores precisam aprender a demitir alguns clientes para crescerem. Aquela máxima dos anos 90 que surgiu com o advento do MC Donald's de que o cliente tem sempre razão é uma mentira.

Cliente tem razão somente quando não humilha, não age com violência ou na intenção de desgastar a imagem do produto ou da loja. Este cliente do qual me refiro é expert em desalinhar meus chacras e usar, ardilosamente, as sutilezas do machismo na tentativa de me dizer diariamente que uma mulher e negra como eu não pode ser competente suficiente para comandar uma empresa.

Vamos começar pelo fato de que ele me chama de menina. Ainda que eu seja uma mulher de quase 40 anos com aparência de uma jovem de 30, a intenção em me chamar, insistentemente, de menina é mandar uma mensagem subliminar reducionista. Ele tenta me encaixar num pequeno lugar social. Este estereótipo infantilizado da menina que não sabe nada da vida e só pode fazer o que lhe for ordenado. Meninas, no mundo misógino, são ingênuas demais para tomarem decisão e adultas demais para seduzir.

Ele se julga mais inteligente do que eu. Até aí tudo bem, não fosse o fato dele esfregar isto na minha cara sob a faceta de um homem gentil com inúmeras dicas de administração para dar a uma "menina" que ele julga não ser nem um pouco capaz para o cargo.

Eu sempre muito educada, digo: Obrigada, mas não. Quanto mais eu digo não, mais ele insiste. Sempre de maneira inconveniente e me obrigando a ouvi-lo ainda que eu diga que naquele momento não posso ou que eu esteja conversando com outro cliente.

O machismo, tão impregnado na cultura mundial, criou uma autorização discursiva para que os homens tivessem o controle do poder de fala e a prerrogativa de serem ouvidos. Ele fala, você, mulher, ouve e obedece. Não importa se ele é seu marido, namorado, amigo, conhecido ou seu cliente. Ele espera ser obedecido.

Semana passada, este meu cliente, chegou ao cúmulo de querer fazer a gestão da minha equipe dizendo quem eu deveria demitir ou promover. São inúmeras as carteiradas que ele me dá. Antes de qualquer fala invasiva ele cita o currículo incrível lotado de experiências em administração de negócios que, só ele não percebeu, nunca deram certo.

Outro dia fiquei tão nervosa com este homem que fui dormir pensando nele, acordei pensando nele, almocei pensando nele, foram dois dias horríveis ruminando um sentimento desagradável que ele plantou em mim.

Por isso estou escrevendo este texto. Decidi demiti-lo através deste desabafo, pois sei que muitas mulheres que me lerão identificarão situações em que foram moídas pela máquina no ambiente de trabalho ou na vida. Eles estão ao nosso redor, à espreita, aguardando a nossa próxima conquista pra tentar dizer que não somos suficientemente boas para competir com eles.

A grande questão é que nós não precisamos competir com eles. Nós queremos o nosso lugar por direito, competência e habilidade. O mundo é nosso também. Eu não odeio, nem nunca odiei os homens, muito pelo contrário, já me relacionei amorosamente com alguns deles.

A minha oposição é com relação ao machismo que nos mata diariamente. Quando não somos assassinadas fisicamente em relacionamentos abusivos e violentos somos mortas espiritualmente e transformadas em objetos disponíveis para suprir o prazer masculino.

Obrigada, mas não quero.