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Cris Guterres

Levei 10 anos para perceber que meu único obstáculo sou eu mesma

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

08/09/2020 04h00Atualizada em 23/02/2021 11h32

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Eu sou leão com ascendente em libra e com sagitário na casa um me garantindo toda essa docilidade. Isto me faz uma pessoa super popular. Onde eu chego faço uma festa. Sou sociável, generosa e amável com os outros, mas meu problema real oficial está num mercúrio na casa 12. Mercúrio na casa 12 significa que o único obstáculo para a minha felicidade sou eu mesma.

Nunca tive inimigos. Ao menos nunca fui apresentada a nenhum outro ser que me maltratasse tanto quanto eu me maltrato. É um auto-ódio construído há décadas. As sabotagens que articulo para mim são dignas de uma novela de Agnaldo Silva. Nem Nazaré Tedesco seria tão vingativa com seus inimigos como eu sou comigo mesma. É cada puxada de tapete que eu me dou que nem colocando a culpa no mercúrio na casa 12 eu vou conseguir me livrar da dor de ser uma sabotadora nata dos meus sonhos e oportunidades pessoais.

Tenho inúmeras histórias das rasteiras que me dei ao longo da vida por não acreditar ser suficientemente boa. Confesso já ter pensado em inventar diversos relatos para não ter que entregar o texto desta minha coluna em Universa. Já pensei em matar minha avó, adoecer um parente ou amigo próximo ou botar fogo na casa.

Mas a verdade é que por mais que a minha editora acredite em alguma destas mentiras e me deixe entregar o texto na semana seguinte, quem realmente perderá com tudo isto serei eu mesma. Pois as mentiras que conto são para não ter que enfrentar meus medos. O medo de não ser reconhecida, o medo de ser ignorada ou o medo de ser rejeitada.

Durante anos da minha vida, combati este medo com álcool e substâncias ilegais. Fiz dos bares, das drogas e das bebidas alcoólicas meus grandes parceiros aliviadores da tensão de não ter conseguido ser quem eu queria ser.

O álcool é um sabotador incrível, pois além de eu não fazer o que deveria ser feito eu nem preciso sentir o amargo sabor da derrota. É só beber de novo e dizer que eu estou curtindo a vida quando na verdade eu estou fugindo dela morrendo de medo de tudo e de todos.

Foram dez anos até que eu percebesse que a vida estava indo buraco abaixo e o medo já tinha se transformado num monstro sem cara e sem coração pronto pra me levar pro abismo.

Foi com muita terapia e intensas, intensas horas numa sala de recuperação que percebi o quanto este funcionamento autodestrutivo me acompanhava desde a infância. O que eu fazia era encontrar qualquer coisa que pudesse me aliviar da dor de não conseguir ser quem eu queria ser, eu encontrava qualquer coisa que pudesse me tirar da obrigação de assumir a responsabilidade por minhas escolhas e meus atos.

Se eu não o fizesse com o álcool, o faria com comida, com compras e até mesmo com pessoas.

O medo pra mim é um companheiro incansável. Está sempre ao meu lado como uma sombra a sussurrar diariamente que eu não vou conseguir.

Há três anos, eu estava dirigindo na região central de São Paulo quando tocou uma ligação em meu messenger, era Elena Crescia. Parei o carro imediatamente no acostamento. Dei um grito olhando para o telefone e atendi com um alô abafado tentando esconder a minha ansiedade.

Elena é curadora de conteúdo do TEDx, talvez o maior modelo de conferência e disseminação de ideias do mundo. Elena foi rápida ao telefone: Cris, aqui é Elena, quero você no próximo Tedx São Paulo. Prepare três temas e me ligue assim que estiver pronta, vamos escolher um pra você apresentar.

Eu estava tão perplexa que nem sei o que disse exatamente para ela, mas me lembro de ter dito que era meu sonho estar no palco do Tedx e Elena me respondeu dizendo que havia chagado a hora de realizar mais um sonho.

Mal sabia ela que eu seria capaz de sabotar esta oportunidade fantástica em razão do medo. Foi a única e última vez que falei com Elena. Eu me sabotei. Meu cérebro entrou em colapso e eu nunca consegui preparar os três temas.

Um ano depois mandei mensagens assumindo minha incapacidade e tentando cavar novamente uma oportunidade, mas foi sem sucesso. Eu deixei, mais uma vez, que o medo engolisse sem sal e sem tempero um dos meus grandes sonhos profissionais.

Ter uma vida recheada de histórias de sabotagem não me faz feliz, muito pelo contrário. Sinto vergonha destes fracassos. Me permiti estar vulnerável porque tem milhares de outras pessoas pagando um custo emocional caríssimo por dificuldade de lidar com o medo e com a frustração.

Pessoas que descobrirão, neste momento, quantas taças de vinho estão tomando para adiar seus sonhos. Quantos brigadeiros comidos na madrugada na tentativa de lidar com as vozes que sussurram na nossa mente dizendo que não vamos conseguir ser boas mães, que estamos gordas demais para conseguir aquele emprego, que só arrumaremos uma companhia quando estivermos vestindo tamanho 40 ou que nada do que fazemos é de qualidade, que qualquer um faz melhor do que nós.

Para as boicotadoras de plantão como eu, a vigilância é constante. Não existe a possibilidade de descanso. Autoconhecimento é a chave para iniciar qualquer tratamento de cura.

Faça terapia, numerologia, tome florais, procure um profissional, saiba exatamente como sua mente opera. Caso você não tenha a possibilidade de investir financeiramente em terapias, busque ajuda de amigos confiáveis, procure grupos anônimos na internet. São grupos gratuitos e muitos estão operando online durante este período de isolamento. Preste atenção nos fracassos recorrentes e questione: por quê?

Não precisamos ser perfeitas, mas precisamos ser efetivas. Precisamos fazer. Dobre o medo em pedaços pequenos coloque ele no bolso e vá com medo mesmo em busca dos seus sonhos.

Vá como Iemanjá, no curso das águas. Deixe a vida fluir como um rio. Se aparecerem rochas e arvores pelo caminho, desvie. Não permita que algo mude o curso de seu destino que é laçar-se em algo maior do que você mesma. Pois assim como o rio desagua no oceano, você pode e deve, despejar-se para o universo.