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Ela ensina tecnologia digital para mais velhos: 'Touch é maior dificuldade'

portostock/Getty Images/iStockphoto
Imagem: portostock/Getty Images/iStockphoto

Colunista de Universa

08/08/2022 04h00

Em abril do ano passado, Katia Selton estava em seu apartamento na região da Avenida Paulista, em São Paulo, SP, quando uma de suas vizinhas bateu à porta pedindo ajuda. Ela havia acabado de comprar um celular e não sabia o que fazer com ele. Katia já costumava ajudar pessoas mais velhas - tias, vizinhos e integrantes da comunidade judaica. Pessoas que ela chama de terceira idade na página que criou no Instagram 3idade.conectada. A vizinha, de 67 anos, que não sabia como pilotar seu novo smartphone, se tornou a primeira aluna regular de tecnologia digital de Katia. Depois, pela indicação boca a boca, chegaram mais de 20 estudantes. Durante a pandemia, Katia, formada em Negócios da Moda, se tornou professora de tecnologia digital para pessoas de 40 a 96 anos de idade.

Nessa conversa, ela fala de seus alunos, das dificuldades que eles apresentam diante de um computador ou de um celular, e da alegria que sentem quando deixam de ser excluídos para se tornarem incluídos digitais.

Hoje em dia você se dedica integralmente às aulas para pessoas mais velhas. Por que seus alunos te procuram?
Alguns me procuram por uma necessidade pontual. Uma aluna, por exemplo, tinha uma lojinha virtual mas não sabia como mexer no Excel. Outra, não sabia usar o computador. Depois que ela deixou de entregar um trabalho de conclusão de curso, me procurou para ter aulas. Muita gente também quer aulas de Instagram. E ainda tem os que me procuram porque os filhos insistem. Querem que os pais aprendam coisas novas, que deixem de ficar só na frente da TV.

E querem falar com eles pelo celular, não é?
Sim, eles querem saber dos pais, falar com eles, saber onde estão. Muitos filhos querem fazer chamadas de vídeo porque a vida da família é uma correria. Então, eles querem a tecnologia para se aproximar dos pais. A tecnologia também facilita a supervisão. O meu aluno de 88 anos, quando sai de casa sem celular, a filha fica desesperada, porque não sabe onde ele está. Então, para os filhos, facilita muito a comunicação com os pais mais velhos quando é possível usar o computador ou o celular para intermediar o contato.

Os pais aceitam as aulas?
Alguns resistem. Dizem que não têm mais idade para aprender, que não têm paciência para aulas. Aprendi que os mais resistentes têm medo e vergonha. Têm medo da tecnologia porque ouvem notícias de crimes digitais, porque não compreendem se eles devem ou não aceitar cookies, por exemplo. Eles têm vergonha porque acham que não são inteligentes o suficiente. Eles costumam dizer que os netos e os filhos já tentaram ensinar e não conseguiram. Daí, vem aquela sensação de que são incapazes. Mas também tenho alunos que me procuram porque precisam da tecnologia no seu trabalho. Tenho alunos de 40, 50, 60 até 90 anos de idade.

Como você consegue convencê-los?
Ah, com paciência e muita animação. Precisa ter muita paciência mesmo, porque leva algum tempo de treino e repetição. O que para a gente é no automático, para eles é um processo. Eu digo: não tem que ter vergonha, tem que perguntar. Muitas vezes, o familiar não tem paciência, mas eu tenho, sou paga para isso rs. Também tem a parte da alegria, minhas aulas são cheias de palhaçada e eles acabam gostando. Mas não são alegres de um jeito forçado. Eu realmente vibro com cada conquista deles, danço, canto, faço festas. Tenho um aluno de 88 anos para quem apresentei jogos que melhoram o desempenho cognitivo e a memória. Ele foi um dos mais difíceis no começo. Mas, hoje, fica louco quando consegue superar a própria meta no jogo. É muito legal ver isso. Ele não só está aprendendo coisas novas, melhorando a parte motora, como está melhorando a autoestima. Eles ganham autoestima com a inclusão digital. Aprender uma coisa nova é muito bom. Quando eles percebem que superaram um limite deles, é ótimo.

Qual a maior dificuldade que seus alunos encontram?
O touch é uma superdificuldade. Pessoas mais velhas estavam acostumadas com os celulares antigos, o toque do smarthphone é um desafio para eles. Ou o toque é muito forte ou é muito rápido. Tenho uma aluna que passou pela Segunda Guerra Mundial. Tem a cabeça ótima, quer aprender, não tem medo nem vergonha, mas muita dificuldade no touch. Eu digo assim: toca aquela parte mais gordinha do dedo na tela, bem de leve. Com as alunas, é muito comum elas usarem a unha para tocar a tela. Muitas deles, inclusive, cortam as unhas para a nossa segunda aula rs.

Digitar também é difícil, não?
Muito difícil. Eles costumam ficar nervosos e chateados quando erram. Mas eu insisto nas aulas porque é importante para eles. Tenho uma aluna que mudou a vida depois que aprendeu a digitar no computador. Ela não sabia nada, ficava olhando o teclado sem entender. Hoje, ela consegue navegar no Google, fazer pesquisas, abrir planilhas, ligar e desligar o computador. São coisas pequenas para a gente. Mas para eles são importantes. Outra coisa difícil é fechar anúncios durante a navegação. Muitos não conseguem enxergar o X ou apertar o X.

Eu também não.
Rs. É, é chato mesmo.

A internet não é amigável para pessoas mais velhas, não é?
É, tem coisas que precisam ser melhoradas. O microfone do WhatAapp, por exemplo, precisava mudar. É difícil para algumas pessoas mais velhas conseguirem arrastar o microfone para cima. Mas eu acho que o difícil mesmo é entender que, para os mais velhos, fazer uma pequena ação no celular ou no computador envolve decorar vários passos novos. Para enviar um email, por exemplo, tem que abrir, escrever, anexar, enviar. Muitas vezes, eles se perdem no meio. Tive um aluno que escrevia a mensagem no WhatsApp mas não sabia que tinha que apertar o botão de enviar. Olha, já é um mundo desafiador para eles e ainda existem muitos obstáculos, então tem que ter muito treino. É o único jeito. Paciência, repetição, treino.

Mas vale a pena.
É maravilhoso, é muito carinho, estou completamente realizada. Eu percebo que estou ajudando a aproximar a família, ajudando na saúde mental e facilitando a dia do dia a deles. Baixar um aplicativo de supermercado para ter desconto, saber olhar o resultado de exames de saúde e até aprender a gravar um vídeo na festa do aniversário do neto são coisas banais pra gente e muito importante para eles. O mundo está completamente digital. Se eles não puderem usar o básico do celular, da internet, então eles realmente serão excluídos. E vão se sentir assim mesmo, com medo de clicar no lugar errado, de fazer besteira e de serem motivo de piada. Por exemplo, tive uma aluna que não saiu de casa durante a pandemia. As únicas pessoas que ela via eram a faxineira e eu. Ela gostava do Facebook, mas estava fazendo uma bagunça na hora de compartilhar porque compartilhava coisas privadas na linha do tempo das pessoas. Ela achava que só a pessoa veria a publicação. Na terceira aula, ela entendeu. Agora, quando ela quer compartilhar algo privado, ela usa o Messenger. Meus alunos, quando descobrem o Spotify, as aulas de culinária do YouTube, o Google Earth, eles ficam alucinados. Isso os conecta e abre a mente deles.

Qual a história que você mais gosta? Em que sua aula fez muita diferença.
Nossa, todas as histórias são incríveis. Mas vou contar a de um aluno que, na primeira aula, não sabia bem abrir o celular. Não conseguia tocar no aparelho. Fizemos seis aulas até ele me ligar. Foi uma alegria! Agora, ele já consegue achar um contato, ligar para a pessoa com quem quer falar. Atualmente, estamos fazendo aulas por vídeo! É muito bom ver um aluno progredindo, sabendo salvar um arquivo, fazer uma selfie, abrir a previsão do tempo, compartilhar uma figura. Nossa, meus alunos ficam loucos com as figurinhas novas do WhatsApp.

E senha, como você faz para que eles guardem?
A gente monta uma tabela em um caderno.

Caderno virtual?
Físico mesmo. É o melhor jeito. Até eu uso um caderninho de papel para as minhas senhas rs.

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