Topo

Blog Nós

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Na transição para o cabelo grisalho, surge uma nova ditadura

A community manager Daniela De Bonis Coutinho, 42 anos, do grupo Grisalhas Assumidas e em Transição - Arquivo Pessoal
A community manager Daniela De Bonis Coutinho, 42 anos, do grupo Grisalhas Assumidas e em Transição Imagem: Arquivo Pessoal

Brenda Lee Silva Fucuta

Colunista do UOL

09/10/2021 16h38

Existe um tipo de transição que entrou no vocabulário de muita gente nos últimos anos, especialmente depois da pandemia. É a transição das mulheres que deixam de pintar os cabelos até que eles fiquem naturalmente brancos ou grisalhos.

Como toda transição, ela tem percalços, levanta dúvidas, atinge a autoestima e só se torna bem-sucedida quando se chega inteira, embora diferente, ao outro lado do rio.

Para o gigantesco mercado de beleza —no qual o Brasil sempre se destaca entre os cinco primeiros do mundo—, a moda da transição pode ser tanto uma punhalada quanto uma oportunidade. Com os cabelos brancos, tinturas perdem clientes, salões de beleza também. Por outro lado, cabelos, mesmo brancos, são cabelos. E nós, brasileiras, gostamos de lavá-los, tratá-los, escová-los.

Então, enquanto a economia tradicional perde um pouquinho de vigor, a economia prateada —aquela movimentada por pessoas com mais de 50 anos— vai comendo pelas bordas. No último ano, o grupo Grisalhas Assumidas e em Transição cresceu 35%, segundo sua criadora, a community manager Daniela De Bonis Coutinho, 42 anos, de São Paulo.

Aberto em 2016, no Facebook, hoje tem 125 mil membros. É um bocado para um grupo privado, ainda mais considerando que, como ele, existem vários outros dedicados a reunir mulheres que deixaram a tintura de lado. "Com o fechamento dos salões na pandemia, o grupo aumentou muito", diz Daniela que conta, aqui, curiosidades sobre suas mulheres grisalhas.

UOL - Por que tantas mulheres estão deixando os cabelos brancos, na sua opinião?

Daniela De Bonis Coutinho - Acho que estamos em uma época em que a obrigação de deixar o cabelo escuro acabou. Não ter que retocar a raiz de 15 em 15 dias é um ponto decisivo para a popularidade das grisalhas. Uma coisa é você ir ao salão fazer a unha, bater papo e dar risada, porque você está a fim. Outra é você virar escrava da tintura porque tem uma festa da família ou uma reunião no trabalho e vai pegar mal aparecer com as raízes brancas. E, com o fechamento dos salões, um número enorme de mulheres simplesmente não conseguia pintar o cabelo em casa. Ficaram esperando e esperando a reabertura enquanto o cabelo crescia, o branco ia tomando conta da cabeça e, depois de seis meses, elas percebiam que o cabelo branco não era feio. Era até bonito. Foi uma transição forçada, mas funcionou.

UOL - Quem passa pela transição precisa de dicas de tratamento dos cabelos, mas também precisa de um colo, certo?

Sim, certo. Tanto que o assunto mais buscado no grupo é como sobreviver à transição. As mulheres querem saber como acelerar a passagem e, também, buscam reforço das outras para a decisão que elas tomaram. Tem muita família e colegas de trabalho que te jogam para baixo durante esse processo. Muito marido que critica a decisão da mulher —o que eu, pessoalmente, acho um horror.

UOL - Tem jeito de acelerar a transição?

Não, tem que ter paciência. Algumas mulheres usam spray de tinta temporária ou fazem luzes, mas as luzes também desbotam e não ficam igual ao cabelo branco. O único jeito mesmo é cortar curtinho, mas esse é um ponto polêmico da transição.

UOL - Polêmico?

No grupo, muitas mulheres mandam outras cortarem o cabelo, de uma maneira até agressiva. Mas tudo o que a maioria não quer é se desapegar do comprimento. Então, quando surge esse tipo de conselho, a mulherada não gosta e aí começa um certo desentendimento. De um lado, as mais radicais, geralmente as mulheres com um pouco mais de idade, que dizem: para de chorar e corta logo. Do outro, as que querem deixar o cabelo natural, mas comprido. Eu vejo o grupo como um retrato do resto do mundo: sempre tem os extremos. Tem aquelas militantes do cabelo branco, por exemplo, e as que são contra. No meio delas, estão as mulheres que querem apoio na transição.

UOL - Contra o cabelo branco? E o que elas fazem ali?

Elas dizem que acham lindo, mas que não funciona para elas. Gostam de ver o cabelo branco ou grisalho nas outras. Mas nem sempre estão ali para elogiar. Algumas criticam quem está em transição ou que ficou grisalha, especialmente as famosas. Gloria Pires e Preta Gil foram massacradas no grupo. Quando publicamos as fotos, foram mil, 2.000 comentários, boa parte dizendo que elas estavam horrorosas e pareciam desleixadas.

Tem a ditadura da antiga beleza, mas tem a ditadura da nova beleza...

Tem mulheres que transformaram isso em uma causa e criticam quem continua pintando. Não gosto desse posicionamento. Cada uma faz o que quiser, não podemos impor outro modelo de beleza. As pessoas precisam entender que o jeito de cuidar do cabelo é uma opção pessoal e não está aberto à discussão, à opinião pública. É preciso respeitar. Quando a tua decisão não interfere na vida do outro, não tem que falar dela, não é? Nossos corpos não interferem na vida de ninguém. Temos que nos libertar, e não ficar criticando as outras. O mais legal no grupo é exatamente o contrário, é o apoio que as mulheres dão para quem está passando pela transição. Muitas já estão com o cabelo branco ou grisalho há muito tempo e mesmo assim continuam no grupo apenas para ajudar outras mulheres.

Como foi a sua transição?

Fiz minha transição na minha primeira gravidez, quando eu tinha 37 anos. Tenho cabelo branco desde os 20 e poucos anos. Mas, quando engravidei da minha primeira filha, não quis passar nenhuma química na cabeça. Então, fiquei toda a gravidez na transição, com o cabelo descolorido na raiz, de várias cores. Meu marido me apoiou muito na decisão de assumir os cabelos brancos. Até porque isso deu menos trabalho para ele, que era quem tingia meus cabelos antes da gravidez (risos).

Você recebeu alguma crítica?

Muitas. No pré-natal, as pessoas me olhavam com uma cara de quem dizia: você não se acha muito velha para estar grávida? Hoje em dia, as pessoas me perguntam se sou avó dos meus filhos, olha que absurdo. Tenho só 42 anos! No trabalho, quando estava na transição, colegas me olhavam esquisito, me davam apelidos. Até meu chefe, imagina, me chamou um dia e disse que eu não podia continuar visitando os clientes com o cabelo daquele jeito. Foi quando eu cortei os cabelos até o ombro e, assim, fiquei totalmente grisalha.

Cabelo grisalho, tudo bem?

Tudo bem. Ainda tem muito preconceito com cabelos grisalhos e brancos, mas o cabelo em transição é muito pior. As pessoas associam com desleixo. Não é fácil. Os seis primeiros meses da transição são os mais difíceis. Quando a raiz branca começa a aparecer, as pessoas perguntam se você não vai pintar, se você está doente. É bem invasivo mesmo. Depois que passa, o mundo começa a entender que seu cabelo tem uma nova cor e até começam a te elogiar.

Quando as grisalhas do grupo desabafam, do que mais reclamam?

Depois que passaram pela transição, elas reclamam que são tratadas como pessoas muito mais velhas. Ganham lugar na fila preferencial, são chamadas de senhora, avó, as pessoas perguntam se elas estão doentes... Ainda não dá para dissociar o cabelo branco da velhice, isso está muito incrustado nas pessoas. Principalmente nas mulheres, que eu acredito serem mais cruéis do que os homens. Eles não ligam muito para isso. Nem para estrias, barriguinha, celulite.

Blog Nós