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Não reconheço mais o rosto humano sem a máscara. E agora?

Mulher de máscara - Getty Images/iStockphoto
Mulher de máscara Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

14/08/2021 04h00

Um ano e meio de pandemia e eu já estranho quando vejo filmes e leio livros nos quais as pessoas não vestem máscaras nem passam álcool nas mãos. Também se abraçam, se beijam e se aglomeram. Não sei se, com você, isso também acontece, se o seu reconhecimento do rosto humano agora passa pelas máscaras. Nariz e boca descobertos, hoje, me angustiam. E quando as pessoas, mesmo de máscara, chegam muito perto e invadem seu espaço individual? Nossa, que aflição.

Sim, no meu cérebro, as máscaras vieram para ficar, acho que elas serão tendência para as próximos estações, infelizmente. Torço para que químicos, cientistas e estilistas se unam e deem o seu melhor, a partir de agora. Por favor, criem acessórios interessantes que, além de nos deixar bonitinhos, nos protejam dos vírus.

Estou lendo um livro escrito em 2020. O autor explica que, apesar da data, ele não considerou o cenário da covid, essa doença que não passa nunca. Me coloco no lugar dele. Se os personagens precisassem se proteger do contágio e fazer home office, a trama -- policial aliás --, poderia sucumbir diante dos desafios. Ok, crimes continuam acontecendo na vida real, mas os romances de suspense perderiam grande parte da graça caso seus detetives, serial killers, mocinhos e bandidos vivessem do jeito que estamos vivendo agora.

Imagine, então, assistir a um seriado em que os atores estejam de máscara? Não máscaras bonitinhas de crochê, que tentam disfarçar a bizarrice. Estou falando daquelas bicudas azuis, PFF2, por exemplo. Ninguém se salvaria, concorda? Não há rímel, delineador e efeito esfumaçado nos olhos que dê conta desse recado.

Enquanto eu preciso dizer aos meus pais, com mais de 80 anos, que, sim, eles têm de continuar distantes dos meus sobrinhos e irmãos, no mundo do faz de conta a pandemia acabou. Nem começou, na verdade. No mundo do faz de conta, continuamos no passado -- que, aliás, estava longe de ser ideal. Mas algumas incertezas não existiam.

No mundo real, um médico de família, Áureo Lúcio, de Monteiro Lobato, interior de São Paulo, me conta que seus pacientes idosos, com pouca audição, não conseguem acompanhar as instruções abafadas porque perdem o recurso da leitura labial.

No mundo real, minha mãe me questiona. "Você não me disse que ia ficar tudo bem se eu tomasse as duas doses?". Ainda não, respondo, vamos precisar de mais um tempo, estou ouvindo falar em uma terceira dose.

"Eu não vou deixar de abraçar meus filhos", ela devolve.

Suspiro.

Entendo, também estou abraçando meus filhos aqui em casa, também estou de saco cheio das máscaras. E, apesar de usá-las, as azuis bicudas, quem sou eu para julgar?

Me restam duas coisas. Um: temer por eles e pelos que perderam a paciência com a pandemia. Dois: me refugiar no mundo da fantasia, no qual as pessoas continuam indo ao restaurante, viajando nas férias, se apaixonando, fazendo novos amigos, se encontrando com os velhos.

Um mundo que, olhando bem agora, parece tão século 20...

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