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Pais evangélicos de gays: ouçam mais Cristo e menos alguns pastores

Washington e Vítor, pai e filho na Parada Gay - Arquivo Pessoal
Washington e Vítor, pai e filho na Parada Gay Imagem: Arquivo Pessoal

Colunista de Universa

12/06/2021 04h00

Há seis anos, o gerente comercial Washington Pereira, 55, soube que o filho não era heterossexual. Ali começou uma jornada de revolta, descrença e vergonha. "Isso só terminou há cerca de três anos, quando eu também saí do armário", diz ele. Evangélico, pai de Vítor, de 27 anos, e Laura de 20, Washington explica que, no seu caso, "sair do armário" significa aceitar o filho LGBTQI+ (letras que representam todas as pessoas que têm uma identidade diversa de gênero ou de sexualidade). Não apenas tolerar ou conviver, mas aceitar.

Parte da aceitação foi motivada pela adoção de Washington pelo grupo Mães pela Diversidade, que reúne cerca de 2 mil mães de gays, lésbicas, bissexuais, trans e pessoas não binárias (que não se identificam com o padrão masculino e feminino de gênero). "Quando conheci aquelas mães que não tinham vergonha dos filhos, ao contrário, falavam com naturalidade deles, até com orgulho, percebi o que significava o amor incondicional. Esse era o amor que Cristo pregava e eu sempre acreditei nas palavras dele", conta. Nesta conversa, Washington fala sobre a aceitação do filho e como esse processo envolveu a transformação da sua própria noção de paternidade.

Brenda Fucuta: Você diz que a melhor coisa que aconteceu com você foi ter saído do armário. Por quê?

Washington Pereira: Meu filho mais velho e eu tínhamos um relacionamento distante, meio frio. Eu tenho muito orgulho dele, enchia o peito para falar que ele era o melhor aluno, que falava várias línguas, que entrou na USP (Universidade de São Paulo, considerada a melhor do país) sem cursinho... Mas nunca conseguimos ter intimidade. Quando ele me contou que era gay, as coisas pioraram muito. Ele estava na faculdade. Me disse que era bissexual, que gostava de meninos e meninas. Ali, eu travei.

Minha cabeça começou a ficar louca. Levantei, não falei nada, fui tomar um banho e comecei a chorar. Mil pensamentos: onde eu errei, o que eu fiz? Aquele drama todo. Fiquei com muita raiva, muito decepcionado, fiquei sem chão. Mas o que estava pegando mesmo era o sentimento de vergonha. O que as pessoas vão pensar? Como é que eu vou viver com isso? Nesse dia, eu descobri que era homofóbico. Eu dizia que não tinha problemas com gay, mas não era verdade.

Eu convivia com gays, mas não aceitava. Tem uma grande diferença. A aceitação é quando você sai do armário junto com o filho, fala para todo mundo, não esconde.

Quando eu realmente aceitei, minha vida mudou e o relacionamento com meu filho se transformou completamente. Hoje, somos felizes. Ele, porque pode ser quem ele é. Eu, porque estou próximo do meu filho.

Quando foi que você passou a aceitá-lo?
A nossa convivência, que era fria, ficou pesada. Eu continuava angustiado, aquela coisa me roendo por dentro. Ele até tinha saído de casa, foi morar em uma república de estudantes. Um dia, indo para o jogo de futebol, minha filha me questionou se eu tinha vergonha do Vítor porque ele gostava de homens. "Que tipo de pai você é?" ela perguntou. Aí, caiu a ficha, fui procurar ajuda. Acabei encontrando o grupo Mães pela Diversidade, que também aceita pais. Olha a loucura: minha mulher já participava do Mães e eu não sabia. Foi uma revelação ver aquele grupo de mães dedicadas. Elas não estavam com vergonha, elas queriam proteger seus filhos.

Logo depois, fui à Parada Gay com o grupo de mães e via o olhar daquele monte de meninos do tipo "Você podia ser meu pai". Aquilo me pegou. O militante que estava adormecido dentro de mim (rs), porque fui do movimento estudantil, voltou com tudo. Durante uma conversa com o Vítor, soube que, para ele, era mais fácil, porque nunca foi do tipo feminino. "Eu me disfarço bem de homem", contou. Foi um choque. Como assim, a pessoa precisa se disfarçar para se sentir segura? Fui me aproximando dele, criando uma verdadeira conexão de pai e filho. Por isso, hoje, eu digo que o melhor que aconteceu comigo foi ele ter assumido.

Ser religioso, evangélico, ajudou ou dificultou a aceitação?
Deveria ajudar, né? Afinal, a mensagem mais importante de todas deveria ser a de Jesus Cristo no Novo Testamento: Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim deveis amar-vos uns aos outros. Cristo não escolheu quem amar. Mas a minha Igreja, assim como a maior parte das pentecostais, sempre aponta os erros, os pecados do Velho Testamento. O Velho Testamento precisa ser interpretado em seu contexto histórico, porque lá está escrito, por exemplo, que se comer camarão ou frutos do mar vai para o inferno.

Os pastores não contextualizam e entendi que, para eles, para prender seus seguidores, existe uma vantagem em falar de pecado. Qual o maior medo das pessoas? Ir para o inferno. Qual a busca? A salvação. Essa é a equação que cega as pessoas e faz a cabeça de mães e pais que rejeitam seus filhos, que os colocam na rua.

Como foi com você? O que sua Igreja falou sobre seu filho?
Se eu tivesse procurado a Igreja antes de conhecer o Mães, eu estaria perdido. Procurei o líder da igreja algum tempo depois e ele recomendou que a gente orasse para tirar o espírito ruim do Vítor. Que espírito ruim? Meu filho nunca tinha sido tão feliz. Se as orações não dessem certo, imagino que o líder diria que meu filho tomou a decisão dele, a decisão de pecar. É uma maneira de manobrar as pessoas, de tirar a responsabilidade e a culpa dos pais.

Quando os pastores homofóbicos não têm mais argumento, eles vão dizer que a escolha foi da pessoa, foi uma escolha individual ser homossexual. E a gente sabe que homossexualidade não é escolha

Você rompeu com sua Igreja?
Continuo religioso, mas entendi que não preciso da estrutura da Igreja para continuar evangélico e crer na palavra de Deus. Quando vou conversar com outros evangélicos, vou muito pelo lado da caridade. Paulo, que era um apóstolo muito rígido, disse em Coríntios 13: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse amor... nada disso adiantaria".

Não importa o que você faça, ore, deixe o joelho roxo, se não amar o outro como ele é na sua essência, não está amando como Jesus Cristo. Ele amou todo mundo, pregou o amor incondicional

Esse argumento tem funcionado para diminuir o preconceito?
Algumas pessoas param para refletir. Se a pessoa realmente segue o evangelho, se ela está na Igreja para aprender e se aprimorar espiritualmente, ela vai entender o que eu estou dizendo. Estão surgindo também novas visões dentro das Igrejas, mesmo as mais tradicionais, como a batista ou a metodista. Já fui dar palestras, fui chamado por uma pastora metodista, por exemplo, que está chamando as minorias para congregar junto.

Com as Igrejas neopentecostais, você enxerga o mesmo movimento?
Não. Porque esse tipo de Igreja não prega o que está na Bíblia, prega o ódio, o medo, o terror.

Para você, qual a diferença entre mães e pais na aceitação de seus filhos LGBTQI+?
A diferença é enorme. O pai chora de vergonha, a mãe chora de medo das violências que o filho pode sofrer. Quando a mãe aceita o filho, ela vai brigar por ele, vestir a camisa, sair nas ruas. Se tiver que separar do marido, ela separa. Fui percebendo essa diferença também em outras frentes. No hospital, quem está do lado da cama do filho? A mãe. Na fila da visita na penitenciária? A mãe.

Em geral, o pai é o primeiro que abandona o barco. As mães são ativistas, mas os pais não sobem no carro da Parada Gay para gritar "Eu sou pai de viado". Foi com as mães que aprendi sobre o amor incondicional na prática

Hoje, tenho bandeira LGBTQI+ e todas as letrinhas na minha mesa de trabalho, falo para os amigos que a piada deles é preconceituosa, se for o caso. Passei a trazer gays e lésbicas para minha equipe e minha meta agora é incluir trans. Luto por um mundo melhor para meu filho viver. Gostaria que os pais pudessem pensar dessa maneira. É muito triste. Vejo jovens que amam e querem se aproximar dos pais. Mas, em 90% dos casos, os pais não os aceitam.

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