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Homofobia: os projetos amalucados que deputados de São Paulo querem votar

PL que quer proibir anúncios com pessoas LGBTQIA+, como este da Natura, não está sozinho na Alesp - Divulgação
PL que quer proibir anúncios com pessoas LGBTQIA+, como este da Natura, não está sozinho na Alesp Imagem: Divulgação

Colunista de Universa

24/04/2021 04h00

A semana passada foi agitada para a comunidade LGBTQIA+ e seus simpatizantes. Entrou na pauta da Assembleia de Deputados de São Paulo a votação de um projeto chocante, o PL 504/2020. Ele parece defender a proibição de publicidade que mostre diversidade sexual. Digo parece porque o texto é bem esquisito: "Proíbe a publicidade, através de qualquer veículo de comunicação e mídia, de material que contenha alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade a sexual relacionados a crianças no Estado".

O que, exatamente, o texto quer dizer com "relacionados a crianças"? Os movimentos? As preferências sexuais? A publicidade? Imagino que a autora, a deputada Marta Costa, tenha se referido à publicidade infantil. A votação do projeto foi adiada duas vezes e agora está prevista para a próxima terça-feira (27). Você pode acompanhá-la, ao vivo, no canal da Assembleia, Alesp, no Youtube.

Voltando à proposta da deputada. Como seria isso, na prática? Não pode propaganda de chocolate que mostre uma família com duas mães? Não pode propaganda com menino que pareça menina ou que esteja brincando de bonecas, por exemplo? Ou não pode propaganda pedindo respeito às pessoas LGBTQIA+?

Agências repudiam lei que pretende barrar propaganda com pessoas LGBTQIA+ - Reprodução/Casa 1 - Reprodução/Casa 1
Agências repudiam lei que pretende barrar propaganda com pessoas LGBTQIA+
Imagem: Reprodução/Casa 1

Nesses dois últimos casos, uma propaganda do UNICEF (a organização da ONU que cuida dos direitos das crianças e dos adolescentes), produzida para diminuir o preconceito e a violência contra crianças e adolescentes gays, seria censurada no Estado de São Paulo, caso o projeto fosse aprovado. Nesse desenho animado, uma jovem é agredida por um colega depois que ela, a jovem, mostra afeto por outra menina. Ao final, tanto a mãe do colega quanto ele próprio mudam de opinião e se desculpam com a garota.

O projeto é tão mal escrito que a deputada estadual Erika Malunguinho propôs uma emenda que ajude a 'traduzi-lo'. Em vez de focar no caráter discriminatório de parte da população, a deputada sugere um novo texto. "Nossa emenda proíbe publicidade infantil com sexo, drogas e violência, assim como (já) recomenda a portaria de classificação indicativa." A comunidade LGBTQIA+, diz Erika, em vídeo gravado sobre o projeto, não é má-influência. Ao contrário, é defensora das crianças.

Projetos como esse costumam ser pouco claros, explica o advogado Paulo Iotti, especializado na defesa dos direitos humanos, especialmente os direitos da comunidade LGBTQIA+. Há dois anos, Paulo atuou nas ações, no Supremo Tribunal Federal, que reconheceram a homotransfobia como crime de racismo.

"Esse tipo de projeto, de fundamentalistas religiosos e ultraconservadores, não define o que quer proibir. É tão genérico que qualquer coisa pode ser enquadrada." E aí é que mora o perigo. A falta de clareza, provocada aparentemente por insuficiência em aulas de português, colabora para que o projeto não seja implementado.

"No juridiquês, existe uma coisa chamada princípio da taxatividade. Para punir e proibir, a lei tem que ser clara e definida. Essa PL não explica o que quer punir, por isso não é clara e nem muito menos definida", diz Paulo. Por outro lado, se aprovado do jeito que está, se transforma em uma espécie de cabidão, onde dá para pendurar quase tudo. Como lembra Paulo, em 2013 a Rússia aprovou uma lei que guarda semelhanças com o projeto da deputada Marta Costa, que proibia cenas de sexo "não tradicionais" em publicidade. "Hoje, a Lei é usada para discriminar e oprimir pessoas que não sejam heterossexuais."


O PL 504 não está sozinho na prateleira dos projetos da pauta de costumes da Assembleia de Deputados de São Paulo. Hoje, segundo levantamento feito pela deputada Isa Penna, existem dez projetos que atentam contra direitos LGBTIs na fila para votação. Um deles, do deputado Altair Moraes, está desde 2010 proclamando que "o sexo biológico seja o único critério para definição do gênero de competidores em partidas esportivas oficiais no Estado". O que quer dizer que transexuais seriam proibidos de participar de competições esportivas em São Paulo. Por quê? O que justifica tanta preocupação desse deputado em excluir atletas trans?

Outro projeto, do deputado Wellington Moura, de 2019, quer acabar com a ideologia de gêneros nas escolas de públicas e privadas. Mais uma proposta totalmente amalucada, já que "ideologia de gênero" é uma expressão inventada por setores ultraconservadores que acreditam na ideia de que professores incentivam alunos a se tornar gays. Como bem sabe qualquer pessoa que convive com homossexuais, não existe uma opção pela homossexualidade. Felizmente, no desejo e no amor, não se manda. Assim como não se manda na identidade (também de gênero) de cada um.

O advogado Paulo Iotti prevê o fortalecimento de uma cruzada homotransfóbica. O que seria, no mínimo, uma tristeza. Para famílias que testemunham diariamente a discriminação contra crianças, jovens e adultos que não se comportam como heterossexuais, é incompreensível que a gente volte tanto para trás. Em vez de afeto e compreensão, estaríamos preferindo a ignorância, a violência e a destruição de vidas. Só para não deixar passar em branco, há duas semanas, uma adolescente trans de 16 anos foi morta a facadas em Juazeiro do Norte, no Ceará. Há quatro meses, uma adolescente trans de 13 anos foi morta a pauladas em Camocim, também no Ceará.

Não precisava ser assim. Esse é o tipo de drama que podemos evitar, que temos a responsabilidade moral de evitar. Isso, deputada Marta Costa — que se define em sua autobiografia, como filha do pastor José Wellington Bezerra da Costa, pastor presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil e do Ministério do Belém, e de Wanda Freire da Costa —, é o que deveríamos estar fazendo. Proteger o direito de que nossas crianças possam crescer sem perseguição.

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