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Os apressados sofrem no trânsito, na fila e no sexo

Brenda Lee Silva Fucuta

Colunista do UOL

09/01/2021 04h00

Sempre gostei de correr. Sempre quis terminar logo uma tarefa, odiava perder tempo. Quando minha mãe pedia que eu fosse ao supermercado, a três quadras de casa, eu ia e voltava correndo, sacolas batendo nas pernas. Não que eu carregasse algo que fosse derreter no caminho, eu só queria chegar logo.

Hoje, correr até o supermercado não é uma opção. Mesmo se o joelho não doesse, uma pessoa correndo com sacolas na mão pareceria estar perseguida por bandidos. Ou alguém com dor de barriga. Mas, como eu disse antes, se corro mais do que 50 metros, a condromalácia avisa que não está gostando do passeio. Portanto, só continuo correndo em outras atividades.

Por décadas, considerei minha capacidade de ser rápida como uma qualidade. O que me fez, imediatamente, desprezar a lerdeza e não tolerar pessoas que se demoravam em uma tarefa. Balconistas que conversavam entre si enquanto eu aguardava na fila, profissionais que precisavam de dois dias para fazer um trabalho que, eu imaginava, poderia ser resolvido em meio período... Observar a atividade alheia sob o aspecto da produtividade (alta ou baixa) se tornou um vício.

Uma viciada em pressa que, ainda por cima, é mulher da geração X, a geração que mais empurrou donas de casa para o mercado de trabalho - sem dar nenhum respaldo para o trabalho doméstico. Administrar várias tarefas simultaneamente, então, pareceu um superpoder que veio com o par de cromossomos XX, do gênero feminino. Não algo que tivemos que desenvolver em troca de salário e liberdade, mas uma habilidade inata e típica das mulheres.

Guerreiras, multitarefas: fomos glorificadas e nos glorificamos com essas bobagens. Porque, se fosse bom mesmo, os homens estariam correndo atrás do prejuízo e aprendendo, rapidinho, como equilibrar pratos: cuidar dos filhos e dos pais, das compras de mercado, das contas da casa, da viagem da família, da gravidez, das dietas, da depilação, manicure etc... Tudo isso além de trabalhar nas empresas, tanto ou mais do que os homens, para provar o seu valor. Falando neles, os homens preferiram continuar "apenas" focados e objetivos e a se dedicar a cada coisa de uma vez. (Ainda bem que nossos filhos ou netos parecem estar percebendo percebido que essa história de super-heroínas era coisa para boi dormir - traduzindo, fake news.

Tempo pode até ser dinheiro, uma das máximas mais populares do século XX, mas tempo não se compra com pressa. Com exceção de situações de urgência - que são muito mais raras do que acreditamos -, a pressa não serve para nada.

Chegar em primeiro lugar não é necessariamente uma vantagem. Apressados sofrem. No trânsito, na fila, no sexo.

Demorei para descobrir tudo isso. Se pressa fosse considerada um vício, como é o álcool, eu estaria declarando agora: Meu nome é Brenda, sou pressólotra e eu estou sem correr há... dois minutos.

Mas não dizem que o primeiro passo para se recuperar de um vício é admitir a existência dele? Pois é. Faz algum tempo (não tem jeito, sempre vem um trocadilho) que eu tomei consciência dos malefícios da rapidez. Desde então, tenho me obrigado a respirar fundo no meio de uma atividade, olhar para uma janela - qualquer janela, mas de preferência uma que tenha árvores e horizonte -, lembrar que eu não preciso ter pressa nas minhas tarefas. O que farei com os segundos que eu ganharia? Gastaria em outras tarefas, com certeza.

Em vez disso, tento me lembrar que posso ganhar tempo. Não preciso ganhar, posso ganhar. Sei que, desde que nascemos, estamos caminhando para o fim do tempo, a morte. Mas é muito incomum que as pessoas se deem conta disso na primeira metade da vida. Quando, como é o meu caso, estamos na segunda metade, ganhamos a oportunidade de olhar para o fim do tempo com mais nitidez. E o que vemos? Que o tempo é precioso demais para ser gasto com pressa.

Que doideira, né?

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