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Ana Paula Xongani

O que a roupa que você escolhe para usar tem a ver com o caso George Floyd?

Angela Harrelson, tia George Floyd, fala com a imprensa usando uma camiseta com o rosto dele - Stephen Maturen/Getty Images
Angela Harrelson, tia George Floyd, fala com a imprensa usando uma camiseta com o rosto dele Imagem: Stephen Maturen/Getty Images

Colunista do UOL

09/07/2020 04h00Atualizada em 09/07/2020 14h20

Não é por acaso que moda e comportamento são palavras que andam juntas: moda é comportamento.

De onde observo e atuo, reflito que por muito tempo o olhar sobre as construções das narrativas e imaginários sobre moda, sobretudo nos espaços hegemônicos em que isso se constrói, ficaram em um plano muito menor e raso. Principalmente numa perspectiva de diversidade. O olhar sobre a moda tem se dedicado muito mais a uma ideia de ditar o que deve ser tendência e muito menos a refletir o discurso não verbal que já existe nas expressões de moda nos diferentes grupos sociais.

Há algum tempo, desde que iniciei meus trabalhos com moda, venho dizendo que a moda é uma janela para observar a sociedade: os costumes, os hábitos, os desejos e traumas sociais, os resquícios históricos, as evoluções, os preconceitos e conceitos, o racismo, o combate ao racismo, a liberdade de gênero, o autoamor, o meio ambiente e muitas outras coisas. É isso que eu busco ver e vejo quando abro a minha janela para a moda.

E nessa janela eu vejo você! Vejo você, vejo a mim, vejo todes!

Se engana quem acha que a janela da moda precisa enxergar apenas a menina magrela na passarela, a blogueira de estilo e a artista da novela.

Eu nem sei quem você é. Mesmo assim, vejo que a moda faz parte da sua vida!

Moda são as coisas que te impactam diariamente: as imagens cristalizadas nas suas memórias, o que você compra, o que você não tem acesso para comprar, várias coisas que te falaram e várias coisas que não te falaram também. Moda é o que você escolhe usar ou mesmo não usar! A moda está nas lojas, no seu guarda-roupa ou no seu varal!

Se tornar consciente ou ter consciência de moda é entender que você faz parte desse universo e que sua escolha tem impacto direto na sua vida, no seu entorno, no futuro e em todo o ecossistema da moda. Logo, a consciência te levará de "observade" para "observadore" da moda. Um lugar onde as janelas que hoje podem estar fechadas se abrirão e você entenderá como a sua moda interfere na sociedade.

Nas últimas semanas passamos, no Brasil e no mundo, por várias reações antirracistas nas redes e nas ruas, seja pelo assassinato de George Floyd, de repercussão mundial, seja pelos casos aqui no Brasil, o assassinato do jovem João Pedro Mattos dentro de casa e também o caso do garoto Miguel Silva, que caiu do 9º andar de um prédio, após ter sido abandonado pela ex- "patroa" de sua mãe.

Mas será que isso tem a ver com moda?

Vamos usar George Floyd como exemplo. Um homem preto, pai e que buscava emprego durante a pandemia de Covid-19 foi rapidamente lido por policiais brancos como um corpo a ser abatido. Isso aconteceu por ele ser preto. Isso aconteceu em razão da imagem que se constrói sobre corpos negros e isso tem a ver com estética —tem a ver, sim, com o que a gente veste.

As passarelas, as TVs, as revistas e os jornais que historicamente definiram o que é "belo", no silêncio de outras narrativas, definem também o que "não é" ou "não pode ser considerado belo". E durante muitos anos não faziam parte da construção de beleza as peles escuras, os cabelos crespos, os corpos volumosos.

A construção de imaginário é uma das grandes responsabilidades da moda. Falaremos muito sobre isso nesta coluna que começa hoje! E aproveito o espaço para fazer uma pergunta para você que chegou até aqui: quais imaginários você acha que a moda construiu nos últimos anos? E o mais importante: o que a moda construiu no seu imaginário? O que será que a moda construiu no imaginário do policial que matou George Floyd?

Pegou?

Moda é também sobre isso.