Ana Canosa

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Opinião

Playboys, moedas antigas e um VHS pornô: o tesouro secreto do vovô

Mexer no passado é sempre uma aventura. Ainda mais quando ele está guardado no fundo de um armário, com cheiro de naftalina e segredos masculinos da década de 1980. Foi assim com duas irmãs que, ao ajudarem os pais a liberar a antiga casa da família, depararam-se com um verdadeiro tesouro do erotismo analógico.

Lá estavam elas, entre móveis velhos e roupas que ninguém mais queria, quando encontraram no fundo do armário vazio uma sacola plástica — daquelas meio opacas, escondida como se fosse coisa perigosa. Dentro, uma pilha de revistas Playboy. Sim, querido leitor jovem, Playboy não é só nome de coelho e nem marca de boné de camelô. Durante décadas, essa foi a revista masculina por excelência.

Lançada no Brasil em 1975, a publicação unia ensaios sensuais de mulheres famosas com entrevistas de peso (acredite, até o Fidel Castro já saiu nas páginas da Playboy — de roupa, claro). Era o Google de quem cresceu sem internet: para ver uma nudez feminina, você precisava encarar a vergonha de pedir na banca de jornal, ou, mais comum, herdar um exemplar amarelado de um primo mais velho. Nada de cliques ou vídeos em HD. Tinha que virar página, esconder, torcer para ninguém entrar no quarto.

Mas Playboy não era a única. Quem cresceu nos anos 1970 e 1980 talvez se lembre também da revista Ele & Ela, uma espécie de prima mais ousada. Nela, além das fotos nuas, o grande destaque eram as seções de narrativas eróticas, especialmente o lendário "Fórum". Ali, leitores — reais ou imaginários, nunca saberemos — contavam suas experiências sexuais com detalhes que iam da timidez inicial ao clímax cinematográfico. Verdade? Ficção? Tanto fazia. Era literatura de cabeceira — ou de banheiro. E por incrível que pareça, foi ali que muitos brasileiros e brasileiras aprenderam a nomear desejos, identificar fantasias, imaginar situações e — por que não — descobrir que tesão também se lê.

Entre as preciosidades daquela sacola, nomes de divindades da cultura erótica nacional: Claudia Ohana com sua lendária liberdade capilar, Vera Fischer no auge da sensualidade dramática, e claro, Tiazinha, um marco erótico dos anos 1990 que causava taquicardia em qualquer adolescente — e em muito adulto também.

As filhas, surpresas e aos risos, folhearam as revistas. Algumas daquelas mulheres ainda estão por aí, belíssimas, poderosas, ícones atemporais da sensualidade. Mas o melhor ainda estava por vir: um cofre. Sim, um cofre. Daqueles pesados, sem chave, sem senha, sem manual. O pai — hoje com seus honrosos 87 anos — já não lembrava de nada. A mãe disse que jamais se atreveu a abrir. Chamaram um especialista. E quando o cofre finalmente cedeu, revelações: moedas antigas, notas fora de circulação, documentos de bisavós... e mais Playboys. As especiais. O altar pessoal de devoção do vovô.

Mas o ápice da curiosidade foi uma fita VHS, com uma etiqueta escrita à mão: "Show do Toquinho". Aqui cabe uma explicação para os nascidos depois de 1995: antes do streaming, antes do DVD, existia o VHS, uma fita preta que guardava vídeos e precisava de um videocassete para rodar. Era o que havia de mais moderno nos anos 1980 e 1990. E como por sorte uma das filhas ainda tinha uma TV com videocassete embutido — relíquia dos tempos idos —, reuniram-se para assistir ao tal show musical.

Só que... não era o Toquinho. Ou pelo menos não o Toquinho que canta "Aquarela". Era um clássico pornô dos anos 1980, desses em que todo mundo tem bigode e ninguém usa calcinha. Silêncio constrangido. Gargalhadas inevitáveis. Ironias infinitas. O vovô era fã de um outro tipo de melodia...

Não se sabe até hoje o motivo da etiqueta "Show do Toquinho". Talvez fosse código secreto, uma ironia interna, quem sabe uma lembrança carinhosa do próprio "toquinho" do protagonista — ou do dono da fita, quem sabe? Fato é que, naquela época, um filme pornô era guardado a sete chaves. Literalmente. Em cofres. Enrolado em meias, escondido atrás de livros de filosofia. Pornografia era subterrânea, suada, suprimida. O prazer era clandestino, e a masturbação, quase um ato de resistência moral. Nada de abrir o celular e digitar "milf". Era preciso coragem, engenho e tempo livre.

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Hoje, em tempos de nudes no WhatsApp e OnlyFans na palma da mão, talvez seja difícil imaginar o valor quase sagrado que essas relíquias tinham. E por mais que mereçam todas as críticas sobre a objetificação dos corpos femininos — críticas absolutamente justas —, há também ali um pedaço importante da história da sexualidade de gerações inteiras. Homens (e mulheres também) que se alfabetizaram eroticamente pelas curvas de uma capa plastificada, pelos contos picantes do Fórum e pelos sussurros malucos da fita escondida. Porque sim: o corpo pode até envelhecer, mas o desejo, esse se reinventa, se esconde, ressurge e, de vez em quando, canta baixinho... com um certo toque de Toquinho.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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