Ana Canosa

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Opinião

'Foi ruim pra você?': sim, maus orgasmos são mais comuns do que se imagina

Foi no meio da madrugada, depois de uma festa animada com amigos. Manuela e Pedro, casados há alguns anos, chegaram em casa exaustos. Ela só pensava em se livrar da maquiagem e cair na cama. Mas Pedro estava com outra ideia na cabeça. Ele queria fazer sexo.

Ela não. Sentia-se cansada, sonolenta e distante do próprio corpo. Ainda assim, cedeu. Não foi obrigada — sabia que podia dizer não —, mas uma parte dela acreditava que era mais fácil apenas ir lá e fazer, agradar o marido e encerrar logo o assunto. Quem sabe, no caminho, até conseguisse sentir algum prazer, pensou.

E conseguiu. Ela teve um orgasmo. Mas saiu da experiência se sentindo esvaziada, desconfortável. Foi um daqueles momentos em que o corpo responde, mas a alma fica em silêncio. Um orgasmo ruim.

Embora o orgasmo seja, em geral, associado a prazer intenso e satisfação emocional, nem todos vêm carregados dessas sensações. Às vezes, o clímax acontece envolto em cansaço, obrigação, desconexão ou o pior de todos: coerção. E aí, em vez de alimentar a intimidade, deixa um gosto amargo — uma espécie de ressaca afetiva que perdura mais que o próprio ato.

Um estudo com 726 participantes, de orientações sexuais e identidades de gênero diversas, a maioria em relacionamentos afetivos, investigou justamente isso: se até mesmo em relações consensuais o orgasmo poderia ser experimentado de forma negativa.

Os pesquisadores analisaram três contextos específicos: quando a pessoa não queria fazer sexo, mas acabou cedendo à pressão da parceria; quando havia cobrança interna ou externa para atingir o orgasmo; e quando, sem muito desejo, a pessoa aceitava o sexo por complacência.

Os resultados foram reveladores. Mostraram que, sim, é possível ter um orgasmo acompanhado de sentimentos ruins — frustração, raiva, tristeza, nojo. Não só o prazer se dilui, como também pode deixar marcas no estado emocional e até afetar o desejo e o desempenho sexual em experiências futuras.

A constatação mais incômoda do estudo talvez seja essa: nem sempre o desconforto emocional impede o orgasmo. O corpo pode funcionar, mesmo quando o coração não está presente.

No caso do chamado sexo complacente, os dados sugerem que ele pode ser mais satisfatório quando a pessoa, apesar da falta de desejo inicial, acredita que aquela experiência poderá lhe fazer bem. Isso é bem diferente de transar apenas por obrigação, para evitar conflitos ou mau humor da parceria, para "cumprir o papel" de cônjuge, ou porque "amar é ceder". Nesse tipo de cenário, o sexo pode ser consensual, mas está longe de ser desejado — e consentimento, por si só, não garante uma experiência positiva.

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Outro aspecto importante revelado pela pesquisa tem a ver com os papéis de gênero. Mulheres heterossexuais relataram sentir-se pressionadas a atingir o orgasmo para alimentar o ego masculino. Homens, tanto héteros quanto gays, disseram sentir-se cobrados a gozar como forma de validar sua performance ou atratividade.

Participantes bissexuais compartilharam o peso de suposições: se um homem bi não tem um orgasmo com uma mulher, por exemplo, ela pode deduzir que ele é gay — o que eleva ainda mais a ansiedade de desempenho.

Interessante é notar que, nas pesquisas sobre sexualidade, os instrumentos usados para medir orgasmo normalmente contemplam apenas respostas positivas — adjetivos como "intenso", "eufórico", "relaxante", ou escalas que vão de "leve" a "explosivo".

Pouco (ou nada) se fala sobre orgasmos ruins. A ciência ainda precisa abrir espaço para esse debate. Porque eles existem. E silenciosamente, afetam a saúde mental e a vivência da sexualidade.

No caso de Manuela, ela nem sabia nomear o que havia sentido. Foi só depois, refletindo sozinha, que percebeu: foi um orgasmo, sim — mas não foi bom para ela. E talvez seja aí que a gente precise começar a perguntar com mais frequência: foi bom para você... de verdade?

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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