Ana Canosa

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Opinião

Quantos parceiros são demais? Spoiler: essa pergunta é puro controle

Recebi um vídeo com a seguinte chamada: "Mulher - quanto mais homens você teve, menor sua chance de ser feliz e satisfeita dentro de um relacionamento". O influencer, um tipo de coach que "ensina" mulheres a conhecer "as verdades sobre o comportamento dos homens", tem um objetivo claro: mostrar como elas devem se comportar para conquistar um relacionamento amoroso "sério".

Ele afirma que as mulheres idealizam muito mais seus pares do que os homens e que, a cada novo parceiro, acumulam as qualidades dos anteriores — esperando que o próximo seja o melhor amigo, o namorado da adolescência, o sarado da juventude, o empresário de helicóptero, o bom de cama e o sensível bonzinho, tudo junto. Nenhum homem real, segundo ele, seria capaz de atender a esse ideal, e essa mulher acabaria como uma insatisfeita crônica. Para completar, ele associa isso à "teoria do Frankenstein".

Fiz uma rápida investigação e descobri que a tal "síndrome de Frankenstein" nada mais é do que o medo que as pessoas têm de as próprias criações tecnológicas ganharem autonomia — uma metáfora inspirada na história de Mary Shelley, onde o cientista perde o controle sobre a criatura que criou.

Não encontrei nenhuma publicação científica que associasse essa síndrome a relacionamentos, e me indigna quando conceitos são jogados ao vento só para gerar engajamento.

Mais inconformada ainda é a mensagem subliminar: a autonomia sexual feminina transforma as mulheres em monstros que se voltarão contra os homens — no caso, que não desejarão mais um parceiro.

Isso alimenta o discurso red pill, que vê a liberdade das mulheres como uma ameaça ao papel masculino tradicional. Para muitos desses homens — incels, por exemplo — a independência feminina é tratada como causa de sua própria solidão e rejeição.

Em vez de refletirem sobre suas limitações afetivas ou as mudanças sociais, constroem uma narrativa de ressentimento, onde a mulher emancipada vira a culpada por suas frustrações — como uma versão moderna do monstro de Frankenstein: algo que eles queriam controlar, mas que agora anda sozinho.

Mesmo achando tudo isso estranho, não ignorei o conteúdo. Perguntei ao rapaz sobre as fontes que sustentam a tal teoria de que "mais parceiros = menos satisfação", e ele não respondeu.

Pesquisando por conta própria, encontrei matérias sobre um estudo divulgado em 2013/2014, mas realizado entre 2007 e 2008 com mil americanos — dados antigos, o que já compromete sua validade. O estudo acompanhou 418 pessoas que se casaram, buscando correlações entre número de parceiros prévios e satisfação conjugal, especialmente entre mulheres.

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As matérias não informam diferenças estatísticas entre homens e mulheres, e o estudo não foi publicado em revista científica nem está disponível no site da instituição promotora, o The National Marriage Project. A tal diferença de satisfação era de 7% entre quem teve mais ou menos parceiros, o que exige cautela. Porque, convenhamos: pesquisa que some sem publicação científica provavelmente tem falhas consideráveis.

Ainda assim, prefiro debater o tema com seriedade. Sobre a ideia de que mulheres idealizam mais seus parceiros, até acredito, considerando o quanto fomos bombardeadas por narrativas românticas. Mas, na minha experiência, quanto mais relacionamentos vivemos, mais percebemos que ninguém é completo — e isso nos desidealiza.

Aliás, esse contato com a realidade dos vínculos talvez explique por que tantas pessoas - de qualquer gênero - têm evitado compromissos duradouros: relações exigem energia emocional, negociação constante, disponibilidade afetiva — e nem todo mundo está disposto a isso.

Além disso, vale perguntar: de que casamento estamos falando? O da primeira década dos anos 2000 já não é o mesmo da segunda — e certamente será diferente do que virá. Os costumes, a forma de viver o afeto e a autonomia mudaram.

Talvez muitas das pessoas consideradas "insatisfeitas" não tenham fracassado no amor, mas apenas foram forçadas a viver em modelos que não combinavam com seus desejos.

O próprio fato de terem tido mais parceiros pode indicar uma curiosidade natural pela diversidade de relações, ou mesmo uma necessidade de experimentação e variação sexual.

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Em formatos mais flexíveis — como relações não monogâmicas, acordos afetivos livres e mais igualdade no cuidado e nas tarefas —, essas pessoas, que já viveram mais e se permitiram experimentar, poderiam encontrar satisfação. O problema, talvez, não esteja no número de parceiros anteriores, mas no modelo engessado do laço que lhes foi oferecido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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