Exílio afetivo: o que o amor tem a ver com saudade de casa?

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Gisele foi corajosa. Decidida. Quando surgiu uma vaga na matriz sueca da empresa onde trabalhava no Brasil, ela não esperou ser convidada. Fez o caminho inverso: provocou, se articulou, estudou o idioma, agarrou a chance. E foi. Aos 35 anos, solteira e sem filhos, voou para a Suécia em busca de qualidade de vida, segurança, e de um lugar onde pudesse pedalar em paz — sem medo, sem buzina, sem assédio.
E de fato, encontrou o que buscava: silêncio, estrutura, políticas públicas que funcionam, salários justos, o céu azul de verão que se estica até as dez da noite. Mas com o tempo, percebeu que a vida perfeita no papel também tinha seus vazios. Especialmente quando o assunto era afeto.
Fez amigos, claro — brasileiros que viraram refúgio emocional, suecos que a acolheram com gentileza, mas sempre com aquele certo limite invisível, quase um campo eletromagnético que impede o toque, o riso alto, a espontaneidade escancarada.
Ela se esforçou para viver experiências afetivo-sexuais: saiu com uma dezena de suecos, testou aplicativos, se abriu a possibilidades. Mas as relações pareciam sempre engavetadas entre jantares civilizados e silêncios educados. Namorou dois deles — relações breves, superficiais, quase etéreas. E embora houvesse carinho, faltava o borogodó. Aquele calor no olhar, a mão que pega sem pedir licença, a conversa que dança, o toque que ri.
Recentemente, ela reatou com um ex-namorado brasileiro. Relação à distância, encontros online, troca de planos e risos pelo celular.
E junto com a euforia do reencontro, veio uma inquietação: estaria mesmo interessada por ele? ou apenas com saudade de alguém que falasse a mesma língua afetiva? Seria essa volta uma resposta à solidão — ou um desejo genuíno de reconstruir a história dos dois?
Ela se pergunta se relações interculturais são sempre mais difíceis. A resposta não é simples. Estudos mostram que, sim, as diferenças culturais podem impactar profundamente os vínculos amorosos. O tempo de entrega, o modo de demonstrar interesse, as expectativas sobre o outro — tudo isso muda conforme o território emocional de onde viemos.
Enquanto um oferece o silêncio como forma de respeito, o outro o interpreta como desinteresse. Enquanto um acha normal marcar um jantar com semanas de antecedência, o outro precisa da urgência do "vamos agora?". O problema não é a diferença — é o ruído que ela provoca, que só paciência e tempo são capazes de diminuir. Famílias com linguagens completamente diferentes podem provocar um grande estranhamento emocional.
Gisele percebe que o ex representa um afeto possível, acessível, que não precisa de tradução. Uma forma de amar que acolhe, que pulsa, que se reconhece no jeito de falar e de se entregar. Alguém que entende o prazer de um cafuné em silêncio, o drama de uma TPM sem precisar explicar.
Acho mesmo difícil entender nossas escolhas amorosas com tanta clareza quando a solidão se instala. Quando se está longe da própria cultura, sentindo falta de familiaridade até nos pequenos gestos, será que conseguimos mesmo distinguir o amor da carência, o desejo da busca por acolhimento?
Talvez o reencontro com ele diga menos sobre paixão e mais sobre pertencimento — sobre a vontade de ser vista por alguém que já conhece suas camadas, que foi testemunha de versões anteriores de si. Às vezes, o que a gente procura não é exatamente um amor novo, mas alguém que reconheça o que fomos — para que a gente mesma não se esqueça. E isso, por si só, já diz muito sobre as carências que o exílio afetivo pode revelar.
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