Ana Canosa

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Opinião

Ela rompeu com religião e se viu em outra 'missão': controlar o tesão

Mirela tem 34 anos, é psicóloga e sexóloga. Depois que passou a compreender os processos psíquicos, aprendeu a ouvir as pessoas em suas mais profundas necessidades e aprofundou-se nos estudos sobre sexualidade, viu desabar suas crenças mais comuns sobre normalidade e entendeu que nenhum sintoma pode ser interpretado com superficialidade. Além disso, Mirela se viu obrigada a romper com alguns dogmas da religião da qual é adepta, visto que passaram a não fazer mais nenhum sentido em sua vida.

"Eu entendo que as religiões professam ideais sobre o comportamento das pessoas, nas mais diversas esferas, e assim também o é com a sexualidade, não tem muito jeito. Cabe aos fiéis refletir que parte cabe na sua vida e no seu projeto pessoal. Caberia aos religiosos leituras contextuais com profundidade sobre o que de fato é importante professar nesse campo, a partir de textos antigos. Humanidade, amorosidade, dignidade, respeito, ética. Infelizmente sabemos o quanto muitas religiões viraram campo de debates políticos e hegemônicos, onde a disciplinarização dos corpos serve ao preconceito, à desigualdade, à crueldade e à ignorância."

Foi numa Igreja bastante repressiva quanto ao comportamento sexual, principalmente feminino, que Mirela incorporou a terrível mania de controle sobre o prazer, do que pode ou não escapar de suas mãos. No entanto, após descobrir-se como um ser desejante, ela compreendeu que não cabia mais num enquadramento tão sufocante. Foi assim que acabou experimentando o sexo antes do casamento e enveredando para uma profissão "questionável", segundo os padrões esperados por todos à sua volta.

Mediar prazer e contenção é uma tarefa de todos, mas cada um a realiza de forma peculiar, a partir de uma lógica pessoal, nem sempre tão fácil de se compreender estando ela entranhada no pensamento e condicionada aos gatilhos diários. Há quem se entregue ao desejo com avidez, ao menor sinal, outros o refreiam sob justificativas diversas e há os que procuram resolver os dilemas por caminhos mais complexos.

Rui, por exemplo, é adepto de outra filosofia espiritual e carrega também em si alguns grilhões. Em outras vidas, diz-se que foi rei, escritor, professor; sabe-se lá que tantas outras atividades repletas de responsabilidade abraçou.

Mentor nato, responsável por cada palavra proferida e por uma missão engendrada na lógica da boa atitude, Rui interiorizou uma educação baseada no binarismo, que avalia tudo sob a perspectiva do certo e do errado e, portanto, da punição para os equívocos da existência.

Para piorar o quadro, tanto Mirela quanto Rui são "casados com os pais" e, além de morar com eles, vivem o drama próprio de quem teme insurgir-se contra as expectativas familiares. Decerto que cuidar da família é um valor importante, mas sacrificar a liberdade pessoal em nome apenas da manutenção de expectativas alheias pode servir apenas para garantir a ilusão de que se está no caminho certo.

Mirela não só se especializou em sexualidade para ajudar pacientes a também desconstruir padrões como se especializou num tipo de "subversão": do mesmo modo que auxilia pessoas desesperadas —quando enfrentam dilemas morais— a buscar compreensão, tomou o namorado como alvo do seu "trabalho" pessoal.

Segundo ela, passados os três primeiros meses de relacionamento nos quais eles fizeram muito sexo e práticas consideradas "duvidosas" sob a lente do tal sexo "normativo", o namorado encaretou. Como vivem com suas famílias, o sexo acontece pouco e, quando ocorre, é cheio de não-me-toque; fale baixo que a mãe vai ouvir; isso não, aquilo também não.

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Ela me descreve como dá um jeito de deitar-se com o bumbum arrebitado bem no campo de visão do namorado e, como quem não quer nada, diz estar exausta, esperando, é óbvio, que ele venha cansá-la mais um pouquinho. Ela se diverte quando ele começa a tentar conter o impulso por meio de um "fale baixo", "agora não", e ela —sempre manhosa— vai conseguindo dele o que deseja, na esperança de resgatar o homem "transudo" que ele já foi um dia.

É curioso como Mirela se apropriou do conflito aprendido na Igreja e como, agora, vê-se do outro lado, numa "missão" exatamente contrária. Reproduzindo o padrão da contenção, com os não-me-toque do namorado, acaba também garantindo o controle do seu próprio tesão. Sabe Deus, se ela fosse totalmente livre, onde iria parar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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