Ana Canosa

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Opinião

Sexo por amor e sem sacrifício começa com dizer 'não'; e isso é um processo

A relação entre fazer sexo por amor e sentir-se obrigada (o) a fazê-lo revela nuances profundas, muitas vezes moldadas por séculos de expectativas sobre o comportamento sexual. Desde tempos remotos, as mulheres foram condicionadas a acreditar que a satisfação de seus parceiros era quase um dever, como se sua sexualidade fosse um serviço exclusivo do desejo masculino.

Essa atitude persiste, sutilmente, nas conversas femininas, quando se ouve o conselho velado: "Melhor transar, senão ele arranja outra." É como se a intimidade fosse uma moeda de troca pela fidelidade conjugal.

Esse pensamento também se manifesta na culpa que tantas mulheres carregam. Diante das insatisfações sexuais de seus companheiros, muitas vezes imediatamente se questionam: "Fiz algo errado? Meu corpo não está atraente? Estou falhando de alguma forma? Fui ousada demais?". São sentimentos que se entrelaçam com uma ideia, há séculos divulgada, de que o amor feminino está diretamente ligado ao sacrifício.

Basta lembrar dos contos de fadas: quantas Cinderelas disputaram o amor do príncipe, a ponto de mutilarem o próprio corpo, cortando um calcanhar ou um dedo do pé, só para se encaixarem no sapato prometido? E tudo isso enquanto a verdadeira eleita estava em casa, lavando, passando e cozinhando, aguardando o resgate romântico. É um cenário melancólico, mas ainda presente nas entrelinhas da vida moderna.

Aprender a dizer "não" ao desejo alheio é um processo. Quantas jovens ainda se sentem incapazes de recusar um beijo ao final de um encontro que não fluiu? O papo não engrenou, a química não surgiu, mas o rapaz, como se buscasse um troféu simbólico, tenta um beijo de despedida. Ele percebeu o desconforto, não a hesitação, mas insistiu, afinal, foi educado para associar a masculinidade à conquista. E, para evitar o incômodo, ela cede, desejando apenas que o momento passe logo.

Com tantas mulheres criadas para serem conciliadoras, muitas acham mais fácil seguir o roteiro esperado do que simplesmente chamar um carro, estender a mão e dizer: "Foi um prazer, até mais." A verdade é que o consentimento, em sua essência, ainda precisa ser compreendido e praticado por todos.

Se você, por algum motivo, mantém relações com seu parceiro porque, no fundo, ainda carrega uma Cinderela interior — aquela figura moldada pelo papel de prazer —, talvez esteja, sim, satisfeita por amor, mas um amor permeado por submissão e desapego da própria vontade. E, nesse contexto, esse não parece ser o motivo mais saudável para se entregar.

Em situações extremas, essa dinâmica pode levar as mulheres a vivenciarem o estupro conjugal sem considerar a gravidade da violência, pois acreditam, desde sempre, que o sacrifício é inerente ao papel feminino.

No entanto, é importante lembrar que o amor genuíno é um sentimento denso e multifacetado, que se revela no convívio diário, na vontade sincera de ver o outro bem. Nesse contexto, fazer algo "por amor" pode, sim, incluir momentos de entrega sexual, quando o ser desejante da parceria está mais ativo do que o seu próprio, mas você é movida pelo desejo de lhe proporcionar prazer, com afeto, respeito e honestidade e com a certeza de que de alguma maneira dessa relação surgirá prazer para si mesma.

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Que isso nunca se torne uma obrigação silenciosa, mas sim um gesto esporádico, guiado pela esperança de que a conexão possa florescer naquele instante.

Se, ao final, restar uma dúvida, observe seus próprios sentimentos. A ausência de culpa costuma ser um bom indicativo. Quando o ato nasce do desejo de compartilhar, e não de silenciar a própria vontade, o amor se manifesta como um espaço de descoberta, e não de anulação. Afinal, amar é cuidar — do outro e, acima de tudo, de si mesma.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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