Por que algumas pessoas (e transas) são impossíveis de esquecer?

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Recentemente, assisti à montagem teatral de "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", o filme de 2004 que ganhou o Oscar de melhor roteiro original no ano seguinte. Explora a tentativa de esquecer um amor, uma ideia que, ao mesmo tempo que fascina, provoca reflexões profundas sobre a complexidade dos laços humanos e o sofrimento amoroso.
O que nos faz criar laços tão profundos?
A conexão entre duas pessoas não é fruto apenas do acaso. Existem fatores biológicos, emocionais e sociais que contribuem para a formação de laços duradouros.
Nosso cérebro libera hormônios como dopamina e ocitocina quando nos apaixonamos. A dopamina nos dá prazer e sensações de recompensa, enquanto a ocitocina fortalece a conexão e o apego. Por isso a experiência do apaixonamento é tão intensa. Amores vividos com paixão e entrega são registrados com mais profundidade no cérebro, tornando-se difíceis de apagar.
Momentos significativos, sejam alegres ou desafiadores, criam memórias que reforçam os laços emocionais. O compartilhamento de sonhos, objetivos e vulnerabilidades também solidifica essas conexões.
Por que algumas pessoas são impossíveis de esquecer?
Se fosse fácil apagar as lembranças de um grande amor, talvez muitos de nós escolheríamos essa opção em momentos de dor. No entanto, a memória emocional é persistente, e algumas relações deixam marcas profundas. Estudos demonstram que o fim de um relacionamento ativa áreas do cérebro associadas à dor física. Isso explica por que a dor emocional de uma separação pode ser tão intensa quanto a dor de uma ferida real.
Mas é importante lembrar que, muitas vezes, não nos apegamos apenas à pessoa, mas às expectativas e sonhos que projetamos nela. Quando um relacionamento termina, pode ser doloroso abrir mão dessas ilusões. Isso também se aplica quando se resiste a mudar o status quo: algumas pessoas se mantêm em relacionamentos não tão satisfatórios porque estão apegadas à ideia do que construíram. Ter um casamento, uma família, pode ser um projeto do qual não se deseja abrir mão, mesmo que a relação amorosa e sexual esteja morna e distante. Existe um tipo de satisfação na ideia do que se tem, e insatisfação naquilo que não se conquistou ou se perdeu.
"Amor de pica fica"?
Essa expressão se refere a uma compatibilidade que pode marcar profundamente a experiência de alguém. E essa conexão sexual não diz respeito só à atração física, mas uma similaridade na maneira de fazer sexo, e na forma de manifestar o erotismo. É difícil esquecer alguém com quem se viveu momentos de muito prazer sexual e há quem estabeleça categorias dignas de Oscar: "o melhor oral", "a melhor pegada", e por aí vai. Mas há pessoas que são capazes de ficar "presas" a um relacionamento sexualmente excitante, mesmo que a convivência seja desastrosa, ou porque o sexo é uma prioridade em suas vidas, ou porque ele é a única referência do quão importante uma pessoa possa se sentir para a outra em um cotidiano de brigas, desamparo e desamor.
O tempo cura ou apenas ensina a conviver com a saudade?
Dizem que o tempo cura todas as feridas, mas talvez ele apenas nos ensine a ressignificar as lembranças. Em "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", os protagonistas descobrem que, mesmo apagando as memórias, a essência do amor persiste —até porque nós seguimos na vida e temos a tendência a repetir padrões. Sendo assim, esquecer pode ser apenas uma ilusão. Pessoas com traços de personalidade mais melancólica terão mais dificuldade em abandonar a narrativa da perda, porque ela está entranhada no psiquismo, como uma bússola que vive apontando para o ponto de partida, não para o de chegada.
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