Ana Canosa

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Opinião

Ela se apaixonou por um casal, mas será que é possível viver esse amor?

Amanda é uma mulher extrovertida e bem-humorada, de 27 anos, que mora sozinha e gerencia a sua vida, buscando equilíbrio entre o trabalho e os interesses pessoais. É aficionada por treinos de musculação e vai diariamente a academia do seu bairro.

Certo dia, enquanto ela terminava mais uma série de exercícios, sentada no banco, pegou a garrafa d'água e, entre um gole e outro, observou aquele casal que sempre treinava junto. Eles se chamavam Júlia e André. Havia algo magnético neles - não era apenas a beleza individual, mas a forma como se olhavam, como riam juntos, como se incentivavam. Era como se estivessem conectados por um fio invisível que, segundo ela, "transcendia o físico".

Amanda percebia que sua atração não recaía sobre um ou outro, mas sobre o vínculo que compartilhavam. Sentia uma curiosidade crescente, quase uma fascinação, por aquela relação que parecia tão leve e espontânea. Aos poucos, ela começou a notar que essa não era a primeira vez que isso acontecia. Desde a faculdade, percebia que algumas dinâmicas de casal despertavam um interesse profundo - mas não exatamente individualmente. Eram as relações em si, o jogo de olhares, a cumplicidade.

O termo "simbiosexualidade" descreve pessoas que se sentem atraídas não apenas por indivíduos, mas pelo vínculo e dinâmica de um casal. O termo foi cunhado dentro de estudos sobre sexualidade 'não convencional' e tem aparecido especialmente em pesquisas com pessoas queer e as que se identificam com relacionamentos não-monogâmicos.

Esse tipo de atração pode se manifestar dentro do poliamor, mas nem toda relação poliamorosa se dá dessa maneira. Muitas vezes, alguém pode se interessar apenas por uma pessoa de um casal, sem necessariamente querer se envolver com a dupla. Mas, no caso da simbiosexualidade, o encanto está na díade, na relação construída, na química entre os dois.

A reflexão a fez mergulhar em sua própria história.

Amanda cresceu vendo os relacionamentos tradicionais à sua volta como monótonos, cheios de regras tácitas e, muitas vezes, cercados por expectativas frustradas.

Seus pais, casados por anos, raramente demonstravam afeto publicamente. Quando adolescente, sua primeira experiência amorosa foi com um casal de amigos que pareciam ter encontrado um ritmo próprio, uma parceria verdadeira. Apesar de não ter durado, aquele envolvimento deixou nela um desejo latente de conexão com esse tipo de energia compartilhada.

Mas essa atração trazia consigo um dilema. Ela se sentia dividida entre o desejo de explorar essa conexão e o medo de ser apenas uma intrusa em algo já consolidado. E se fosse apenas um espectro passageiro, uma ilusão criada pelo encanto do casal? Será que havia espaço para ela ali, ou sua presença quebraria a harmonia daquela relação?

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Ela se aproximou de Júlia e a amizade com surgiu rapidamente. Trocas de mensagens, convites para um café depois do treino, conversas cada vez mais íntimas. Com o tempo, André também passou a fazer parte desses encontros, e Amanda se viu envolvida em sua rotina. O convívio trouxe proximidade, e em um momento de vulnerabilidade, Amanda revelou seu sentimento - ela estava apaixonada pelos dois.

Para sua surpresa, Júlia e André, que nunca haviam explorado uma relação não monogâmica, decidiram abrir-se para a experiência. No início, a novidade trouxe euforia e descobertas. Mas com o tempo, sentimentos complexos começaram a emergir. As comparações surgiram.

Quem era mais interessante? Quem Amanda gostava mais? A conexão que antes parecia fluida tornou-se, em momentos, um campo de inseguranças e rivalidade.

Parecia que haviam voltado à infância, vivendo um tipo de disputa fraterna, em busca de aprovação e exclusividade. A tensão revelou um aspecto essencial das relações triangulares: elas podem reativar modelos relacionais enraizados de posse e competição.

O desafio não estava apenas na estrutura da relação, mas na necessidade de amadurecimento emocional, comunicação e autoconhecimento. Relações assim exigiam investimento - e mais do que desejo, precisavam de um compromisso consciente de fazer acontecer.

O caso de Amanda, Júlia e André é um exemplo claro de como o amor e o desejo podem ser complexos, desafiadores e, ao mesmo tempo, reveladores. Relações não convencionais podem funcionar? Sim. Mas exigem maturidade, disposição para o diálogo e um profundo entendimento sobre si e sobre o outro.

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No fim, qualquer formato relacional precisa ser construído sobre pilares sólidos: respeito, comunicação e um desejo genuíno de estar junto.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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