Livros eróticos 'salvam' o tesão delas e podem acender fogo deles também

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Marina entrou na livraria sem pressa, percorrendo os corredores repletos de títulos novos e capas brilhantes. Aos trinta e cinco anos, ela já não comprava livros com a frequência de antes, mas, naquele dia, sentiu um desejo súbito de encontrar algo que a transportasse para outro universo.
Seu olhar pousou na seção de romances, e ali, entre as prateleiras, um título chamou sua atenção. A capa exibia tons quentes e uma promessa silenciosa de paixão e mistério. Hesitou por um instante, sentindo o calor subir ao rosto, mas, em seguida, pegou o livro com firmeza. "Por que não?", pensou.
Nos últimos meses, a rotina parecia um ciclo interminável entre o trabalho e as responsabilidades domésticas. Marina adorava seu emprego, sentia-se realizada, mas, ao final do dia, a sensação de exaustão era esmagadora. Nos poucos momentos de folga, costumava assistir a séries ou conversar com amigas pelas redes sociais. Estava cansada de sair com crushes nos apps de relacionamento, os últimos encontros haviam sido pouco ou nada interessantes.
Algo parecia faltar, uma faísca que reacendesse o entusiasmo que, tempos atrás, era natural em sua vida.
Ao chegar em casa, preparou um chá e se acomodou no sofá com o livro no colo. Começou a leitura despretensiosamente, mas logo se viu imersa na narrativa. As palavras fluíam como um convite irresistível, levando-a para um mundo onde os personagens viviam paixões intensas e arrebatadoras. Sentiu um sorriso surgir involuntário quando reconheceu em algumas passagens os próprios pensamentos que nunca tivera coragem de verbalizar.
Naquela noite, Marina leu mais do que havia planejado. As páginas se tornaram um refúgio, uma fuga temporária da rotina previsível. Não era apenas sobre o erotismo descrito com sensibilidade, mas sobre a descoberta de emoções há muito adormecidas. Percebeu que, para além do entretenimento, havia ali um espaço seguro para explorar suas próprias sensações e desejos, sem julgamentos. Longe de qualquer estigma, aquela história a fazia sentir-se viva.
Uma pesquisa realizada na Alemanha descobriu que as mulheres são a esmagadora maioria de leitores frequentes de romances eróticos e que a principal motivação para a leitura desse gênero é a distração e o relaxamento, proporcionando uma fuga da rotina diária.
O estudo apontou que 80% das 427 entrevistadas se autodeclararam leitoras ávidas, consumindo quase cinco livros por mês. Além disso, muitas relataram que esses romances serviam como uma forma de aprendizado e exploração da sexualidade e dos relacionamentos. A pesquisa também indicou que a interação social é um fator importante para essas leitoras, que gostam de discutir suas leituras com outras mulheres, em redes sociais e fóruns, reforçando um senso de comunidade.
Mas e os homens? Por que a literatura erótica não os seduz da mesma forma? Parte da resposta está no olhar que predominava nessas narrativas.
Os romances eróticos populares na década de 80 reproduzem modelos tradicionais de desejo para as mulheres, perpetuando ideias de submissão, dependência emocional ou fantasias românticas.
Muitos personagens masculinos nesses romances eram construídos de forma idealizada, distantes da vivência real de um homem comum, o que poderia afastá-los.
Soma-se a isso o estigma social: enquanto para as mulheres a leitura erótica se tornou um espaço legítimo de prazer e descoberta, para os homens ainda há um receio de serem julgados ou ridicularizados com um livro desses debaixo do braço.
No entanto, há textos eróticos escritos por mulheres que fogem dessa antiquada lógica feminina. Citando as autoras mais conhecidas, temos Hilda Hilst que explora a sexualidade de maneira crua e visceral, Anaïs Nin, em Delta de Vênus, que rompe com censuras e padrões estabelecidos, Pauline Réage, com História de O, que desafia a submissão e o prazer sob um viés polêmico, Elfriede Jelinek, vencedora do Nobel, que desconstrói a idealização do desejo feminino em A Pianista. Catherine Millet, com A Vida Sexual de Catherine M., aborda a sexualidade sem reservas, e tantas outras autoras - incluindo as brasileiras - que são menos conhecidas, mas que influenciam uma geração com seus contos e poemas eróticos bastante sexualmente explícitos.
A verdade é que o erotismo na literatura é um campo vasto e diverso, e a resistência masculina à leitura desse gênero pode significar a perda de uma ferramenta poderosa de exploração emocional e conexão com o próprio desejo.
No fim das contas, o prazer literário - assim como o desejo - não deve ser limitado por estigmas ou convenções. É um território aberto, pronto para ser explorado por quem se permitir mergulhar nele, como Marina o fez.
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