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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como uma cinta peniana ajudou casal hétero a explorar prazer anal masculino

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Colunista de Universa

26/07/2022 04h00

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Uma vez que um casal decide abrir as portas da sua intimidade sexual, contando para a sua parceria seus desejos mais íntimos, eles nunca mais serão os mesmos. Como no caso da Josilene e do Roberto, ambos na casa dos 40 anos, casados há 8, que começaram a terapia de casal a fim de resolver conflitos de convivência.

Com perfil de liderança, assertivos, competitivos e independentes, os dois são bem parecidos, inclusive na incapacidade em lidar com a sua criança interna, essa que carece de cuidados, doação do outro, que tem medo dos fantasmas que rondam às vezes de dia, mas quase sempre à noite. Em vez de verbalizarem suas vulnerabilidades diante da vida e da relação com o outro, passavam o tempo todo disputando ideias racionalizadas sobre ponderação e adequação.

Não era sobre ter razão, eles diziam em suas narrativas, porque essa frase é clichê demais para pessoas "tão incríveis", mas quem alinhavava melhor todos os passos para a resolução de um problema, como se estivessem tratando de um dilema profissional com o seu 'time'.

Foram meses até que pudessem entender que seguir por ali só os enrijecia mais. Mais desarmados, se encontraram na revelação de suas fragilidades e passaram então a se descobrirem novamente. Eis que um dia, Roberto, durante uma relação sexual, pediu para que Josi explorasse o seu ânus.

Não, daí não. Muita desconstrução para uma noite só. Que ela tivesse encantada em conhecer um Roberto mais flexível vá lá, mas concretizar isso na apropriação do órgão que infelizmente foi relegado à subordinação, ela ainda não conseguia.

Deu nó na cabeça da pobre. Foram meses voltando às mesmas questões anteriores e o mesmo jeitinho de lidar com elas: a narrativa da adequação ponderada sobre o c*.

Foram necessários meses trabalhando para ressignificar essa parte erógena do corpo, libertando-a dos certames sociais sobre quem pode ou não pode usufruir dele. O c* não tem gênero, não há diferença desse órgão nos humanos, então, ele é bastante democrático. Talvez por isso mesmo que tentam deturpá-lo, afinal, a liberdade incomoda muita gente. Assumi-lo como zona erógena é, portanto, um ato de empoderamento, nunca de submissão.

A questão era que Josilene sentia que Roberto estava "roubando-lhe" um espaço, dito "feminino", lugar que ela ocupava enquanto faziam sexo. Gostava de sentir o marido assumindo o controle e assim, finalmente relaxar e deixar-se levar por ele. Foram mais alguns encontros para desmistificar essa parte também.

Seduzir, ser seduzido, ter controle, abrir mão dele, submissão, dominação, são apenas performances para tornar o sexo uma possibilidade de experimentação e não um exercício aprisionado de masculinidade e feminilidade.

Aos pouquinhos ela foi acolhendo o desejo de Roberto, e ao perceber que era possível alternar posições, passou a curtir a ideia. Botaram o órgão para jogo. Experimentaram estímulos diferentes, lubrificantes com sabor, posições sexuais variadas, a porta dos fundos sendo promovida ao portal de entrada para o prazer do casal.

Mas daí Josi teve a brilhante ideia de comprar uma strapon, vulgarmente conhecida como "cintaralho" e saiu do banheiro com a sua nova aquisição. Fazia o membro balançar de um lado para o outro, passava a mão, se via no espelho. Tomada por suas antigas crenças sobre a sexualidade do macho, fazia movimentos bruscos, como se fosse um cowboy montado em um garanhão, rodando a corda para enlaçar um boi. Roberto ficou estarrecido e frustrado com aquela cena, pois percebeu que essa não era uma imagem que lhe dava tesão. Essa coisa de c* realmente mexe com as pessoas - pensei eu com meus botões.

Depois de mais algumas sessões, nas quais o objeto chegou a ser levado ao consultório para participar de cenas psicodramáticas, onde cada qual conversou em voz alta com Pedro - apelido carinhoso que ela deu ao dito cujo - a fim de contar desejos e temores, chegaram à conclusão que lhe havia transferindo o papel da potência sexual.

O dia mais interessante, foi quando Josi, na voz de Lisbela - apelido da genitália dela nos momentos de intimidade - discutiu com Pedro 'sentado na poltrona da frente' sobre quem era mais poderoso afinal, o que penetrava, ou a que acolhia e ainda por cima, poderia dar à luz.

Convenhamos, que Josi tinha exagerado no calibre de Pedro, intimidando o marido, mas a proposição fazia sentido. Lá estava a manifestação da disputa de poder dando as caras novamente.

Em se tratando de c*, não é mesmo fácil abandonar dinâmicas, menos ainda antigos hábitos, já que, muito embora ele não tenha nada com isso, fica sendo o depositário dos milenares conflitos subjetivos entre pênis e vagina.

Comprei uma dessas bundinhas de silicone com um ânus saliente para conversar e enfim, darmos a ele a importância devida - semana que vem lhe escolherão o apelido.