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Ana Canosa

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Tenho 30 anos e sou virgem. Será que sou assexual?'

Anthony Tran/Unsplash
Imagem: Anthony Tran/Unsplash

Colunista de Universa

18/06/2022 04h00

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Flávia tem 30 anos e me escreve contando que ainda é virgem. Às vezes, ela pensa que é assexual, mas como nunca teve um relacionamento íntimo, fica na dúvida. Esclareço que as assexualidades estão mais ligadas a atração sexual, nem tanto com o sexo em si.

Embora o sexo não seja uma prioridade, muitas pessoas assexuais podem ter prazer ao se masturbarem ou ter uma relação com alguém. Para se ter uma ideia dessa "escala" de satisfação, um dos símbolos das assexualidades, escolhidas pelos próprios é uma fatia de bolo: ou seja, comer um bom doce pode ser mais interessante do que transar.

Desde que em boa parte da sua vida não tenha se sentido atraída sexualmente pelas pessoas, (ela me diz que já aconteceu algumas vezes) pode ser que Flavia se encaixe em algum espectro assexual romântico, pois me diz que seus sentimentos amorosos, normalmente são platônicos.

Os lithromânticos, por exemplo, costumam vivenciar o amor de maneira idealizada, e nunca o concretizam - talvez por isso ela conte que se desinteressa pela pessoa amada e procura "mil defeitos para o relacionamento não acontecer".

Por outro lado, é possível também que esse tipo de dinâmica revele uma maneira de se defender do que uma relação nos provoca. Muitas pessoas temem a vulnerabilidade diante do amor. Como dizia a memorável bell hooks, amar implica em dor, já que somos afetados pelo outro.

Reconhecer a outra pessoa como indivíduo, com desejos, necessidades, dificuldades é, sem dúvida nenhuma enfrentar a sua própria sombra, afinal, haverá medo, ciúme, insegurança, inveja. O amor verdadeiro está longe de se revelar na paixão, onde só há idealização e gozo.

E bell hooks proclamava: "É por isso que as pessoas, quando estão à porta do amor, viram as costas e vão embora". Claro que ela não estava se referindo só aos apaixonados platônicos, pois mesmo em casamentos de longa duração, embora se façam juras de amor, são poucos os que conseguem dar conta da alteridade alheia e ainda assim, um tanto frustrados, continuar lhes escolhendo amar.

No caso de Flávia, talvez seja o medo de se entregar a sentimentos com os quais perca o controle que a impeçam de ir além. Já vi isso acontecer muitas vezes. Também é importante frisar que algumas personalidades são de fato mais distantes e isso não significa, necessariamente, que algo está errado; outras têm um estilo de apego ambivalente: desejam intimidade, mas não dão conta dela.

Ela me diz que gosta de ser desejada, mas tem dificuldade em ser tocada e por isso se afasta. Se pergunta se está no espectro autista, mas lhe digo que nem todos(as) tem aversão ao toque e o que me chama a atenção é que ela também tem alguma "trava" com a masturbação.

Usa palavras como "vergonha" e "receio", o que demonstra como o seu desafio não é exclusivamente com a intimidade interpessoal, mas também pessoal. Há algo na aceitação de si mesma que, me parece, não vai bem. Já dizia o saudoso Paulo Gaudêncio: 'O autoconhecimento é libertador, mas sempre uma má notícia".

Flávia mudou de cidade e está tentando ser um pouco mais aberta. Ao mesmo tempo que perece bem com o seu distanciamento, quer ter um relacionamento e "experimentar essa sexualidade que todos falam ser tão boa".

Não querendo decepcioná-la, mas já o fazendo, digo que não é exatamente o sexo que é bom, mas a possibilidade de fazê-lo com desejo e entrega e a capacidade de estar aberta ao prazer. Então, fazer sexo só para sentir igual aos outros, provavelmente não fará bem a ela. É preciso sentir-se desejante de verdade.

Enquanto se declara "confusa" com tantos "diagnósticos" possíveis, eu aconselharia que Flávia tentasse abandonar um pouco os pensamentos que lhe atormentam e fosse trabalhar seu corpo.

Danças em grupo são ótimas para estabelecer conexões respeitosas e perceber capacidades e limites. O teatro pode também lhe fornecer outras habilidades sociais.

Afinal, perder-se em pensamentos repetitivos e confusos, que parecem nunca ter saída alguma, também é uma maneira de não abrir as portas para a própria aceitação, e tampouco explorar possibilidades. Enquanto isso o corpo pode estar vivendo no automático, completamente esquecido, o que definitivamente não faz a energia sexual pulsar.