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Ana Canosa

Me apaixonei por um colega de trabalho e me sinto ridiculamente adolescente

Getty Images
Imagem: Getty Images

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

19/11/2020 04h00

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Pergunta da leitora: Sou casada há 10 anos, mas me interessei por um amigo do trabalho, o Ivo, que me ajudou profissionalmente. Sempre o achei muito bonito e interessante, com várias características que diferem bastante do meu esposo. Ele me conta o quanto sente falta de sexo. Nunca fui infiel, mas tenho alimentado fantasias, buscando sinais para ter alguma esperança com ele. Me sinto muito culpada, na minha cabeça é como se já estivesse traindo. Me sinto ridiculamente adolescente, com desejo, fantasia, culpa, ciúme, e isso tem me tirado o foco.

Querida, vamos lá. Adorei o "ridiculamente adolescente". Que delícia ser um tanto irresponsável, abandonar o peso de todos os compromissos da vida adulta. Não ter que se preocupar tanto com o bem-estar dos outros, seja no plano físico ou emocional. Ter uma vida inteira pela frente, com todos os projetos ainda por vir: a profissionalização, o primeiro emprego, o primeiro salário, a primeira promoção. Várias parcerias, aventuras, viagens; quem sabe lá na frente um casamento, mas só quem sabe. Talvez filhos, mas só talvez. Muito hormônio e entusiasmo pela vida, um corpo desperto, saudável, rijo.

Sério, me deu até saudade, principalmente dessa última parte sobre corpo desperto e rijo. Óbvio que a vida adulta tem seus encantos e algumas aventuras, mas o ritmo é incomparável e o que está por vir requer coragem, entrega e disposição para ser revelado. O mantra dos adultos é manter, enquanto o dos adolescentes é descobrir: as pessoas, o sexo, o trabalho, o dinheiro, o amor, a fé.

Quantas pessoas não encontram nas paixonites da vida adulta justamente a bobeira mór da adolescência, a fantasia de que tudo vai dar sempre certo, que as coisas se encaixarão por milagre e pelos designíos das estrelas. Um refúgio da chatice do nosso dia a dia, repleto de boletos para pagar.

Colocar a consciência em modo avião e viver na onipotência juvenil. Tem gente que pagaria por essa vivência. Muitos são os que encontram nas relações extraconjugais esse espaço onde não há obrigações nem papéis a cumprir: não se é esposa, nem filha, nem mãe, só a mulher desejada, amada e uma unanimidade na vida da outra pessoa.

Alias, você é essa pessoa romântica, né? Adora fantasiar uma história de amor, é movida pelo estilo de amor Eros, que começa com uma paixão erótica e se desenvolve para um compromisso, o que deve ter acontecido com seu marido e você. Adora conexão emocional.

Na história com seu colega de trabalho, mais do que uma paixão, sua fantasia te leva para o lugar da que salvará este homem de sua solidão, um homem há 1 ano sem transar, que não pode ser desvirginado por qualquer uma, ora bolas, tem que ser você, quem verdadeiramente o conhece, o valoriza e o deseja. Só faltou o cavalo branco.

Se tem uma coisa que o mundo adulto nos revela é que de perto e com a convivência somos todos ordinários e substituíveis; é só na fase da fusão que a paixão nubla e promove a ilusão de que o outro não é cheio de imperfeições, por isso não me estranha o fato de que você desejaria viver nessa fase. Eu sei que eu estou cortando o seu barato, mas por enquanto o que temos disponível na sua história é desejo e ilusão, um refúgio amoroso para a sua existência cansada. Que é bem interessante, diga-se de passagem, e deve ocupar a sua cabeça por muito tempo.

Aliás, uma pergunta boa para você: se não estivesse criando cenários incríveis e românticos em boa parte do seu dia, no que estaria pensando? Pode ser que você esteja fugindo de outros temas importantes da sua vida, tenha decisões difíceis a tomar e as esteja adiando ou que lhe falte prazer e novidade no cotidiano e simplesmente esse colega chegou para colorir o dia e tirá-la do tédio.

Sim, tem o corpo do Ivo, o sotaque do Ivo, os anos a menos do Ivo. Mas isso é desejo, esse danado que faz a gente ter atração por pessoas específicas, mesmo que continuemos desejando nossas parcerias. As pessoas gostam de variação, até para testar sua capacidade erótica, conhecer outros corpos, curtir a novidade e o mistério.

O problema, pelo que entendi, está no "contrato" de monogamia que fez com seu marido, sua postura ética diante do dilema. Qualquer avaliação a esse respeito pode soar julgamento, pois embora o pelotão de fuzilamento vá gerar comentários sobre a sua falta de caráter, eu aposto no problema moral, pois boa parte das pessoas com dúvidas amorosas foi arrebatado pela paixão e não tinha a intenção de fazê-lo.

É fácil dizer que você está dando corda, alimentando a história toda, que você está carente, que não está valorizando os anos de casamento, que cansou do marido e isso não é justo com ele, que são os hormônios, que você é "sem vergonha".

Mas eu detesto compreensões rasas sobre o amor, pois dele não há garantias. Pode ser que algumas dessas motivações citadas sejam verdade, talvez você esteja querendo o lugar privilegiado que a paixão nos coloca e que não encontra mais no seu marido, ou que ele, seu marido, está ocupado demais com afazeres e prazeres, dependa menos de você para alimentar-lhe a vida e não esteja fazendo muito para espelhar-lhe a ilusão de ser a mulher mais maravilhosa do reino.

Talvez se você disser para seu marido que sente falta de um interesse mais cuidadoso, que precisa de sua ajuda para compartilhar seus anseios, que gosta de dividir e pensar junto, Ivo perca a força dentro de você e vire só um tesãozinho na vida, aquele sujeito que poderia ser, mas não foi.

Mas é talvez viu, porque tem gente que não consegue afastar o sonho e só saber racionalmente os porquês, não resolve a angústia e aplaca a ansiedade. Existe o tempo de ver, de compreender e de concluir, já dizia Lacan, então você terá que dar conta de todo o processo.

Última observação: você não precisa manter uma relação para todo o sempre; você pode decidir viver algumas histórias de amor durante a vida, viver sozinha e livre para ter todas as experiências que quiser, propor relação aberta ou poliamor para o seu marido.

Escreva a sua própria história com alegria e a crença de que merece ser feliz, lembrando de alimentar a adolescente que habita em você, em todos os campos da vida, sendo aberta e curiosa, mas prepare-se para aguentar o tranco: o que a maturidade nos ensina é que, de verdade, para cada escolha há uma renúncia.