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Ana Canosa

Você faz sexo com seu marido só porque ele quer? Tem uma Cinderela em você

izusek/Getty Images
Imagem: izusek/Getty Images

Ana Cristina Canosa Gonçalves

Colunista do UOL

13/08/2020 04h00

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De vez em quando eu faço sexo com meu marido porque ele está com vontade. Isso é sinal de submissão?

Há uma distinção importante entre ser obrigada a fazer sexo e fazer sexo por amor. Historicamente, as mulheres sentem que precisam agradar seus homens e que, na relação conjugal, sua sexualidade está a serviço do desejo masculino. Essa ideia ainda é reproduzida nas conversas femininas, quando por exemplo as mulheres aconselham as outras a transar para que o marido não procure uma amante.

Também aparece em movimentos de culpa enraizada: quando há queixas sexuais masculinas as mulheres estão quase sempre achando que fizeram algo errado, que o corpo não está legal, que estão devendo alguma coisa, ou que foram audaciosas em excesso. Isso também acontece, pois, a ideia de sexo, para as mulheres, andou por séculos a fio atrelada ao amor.

Por amor as mulheres são capazes de sofrer intensamente e cometer toda a sorte de sacrifícios. Veja na história de Cinderela, todas aquelas princesas se estapeando para serem as escolhidas do príncipe. São capazes de cortar o próprio calcanhar ou um dedão do pé, castrando parte do seu corpo, para conseguirem calçar o sapato da prometida —que está lá lavando, passando e cozinhando, esperando o príncipe vir buscá-la. Eu sei, é triste, mas ainda acontece.

Dizer não ao desejo masculino é um aprendizado. Quantas e quantas mulheres jovens ainda não conseguem recusar um beijo ao final de um encontro casual com qualquer sujeito que conheceu no app?

A conversa não rolou, a atração não aconteceu e o sujeito tenta um beijo no final, como se isso fosse o selo de que ele conseguiu ao menos isso. Não que ele não tenha percebido que ela estava sem jeito, ou que o momento não tinha fluidez: ele vai sempre tentar, pois foi assim que também aprendeu a ser "macho". E vai insistir. E para ele parar de encher o saco, ela cede, torcendo para que esse tormento acabe logo.

Como uma menina boazinha, que foi educada para ser mediadora, ela tem dificuldade de simplesmente chamar um Uber, estender a mão e dizer: foi um prazer, até outro dia. Não é o que ele espera dela. Consentimento é o que todos precisamos aprender.

Então, se você faz sexo com seu marido, porque de alguma maneira também tem uma Cinderela dentro de si, penso que sim você está fazendo sexo por amor, de um jeito meio submisso, mas de um jeito aprendido e que vai contra a sua própria autonomia e desejo. E esse não me parece o melhor motivo para fazê-lo.

No extremo desses casos estão as mulheres que sofrem estupro marital e que, por cultivar a crença de sacrifício feminino pela realização do desejo masculino, nem percebem o grau de violência que sofrem.

Agora, pensando que o amor é um sentimento profundo e complexo, que acontece na relação com o outro e que tem como tradução simples querer o bem do outro, e que certamente se transforma em generosidade, cuidado, atenção às necessidades do outro, daí entramos em uma reflexão bem mais ampla.

Nós fazemos uma porção de coisas por amor. Certamente a relação sexual é uma coisa muito íntima e acolher o corpo alheio sem vontade nunca é simples. É preciso amorosidade para tocar o corpo de alguém, ou fazer uma prática sexual que não lhe agrade tanto, porque você quer ver a outra pessoa feliz. E satisfeita.

Sem submissão, sem desespero, sem desrespeito. De maneira honesta, torcendo para "pegar no tranco" e se animar. Que não seja a regra, nem o que move a relação sexual como um todo. Uma vez fazendo sexo por amor, note se há culpa ou não nesse processo. Porque geralmente, dentro de nós, a gente sabe se é um processo de descoberta do prazer ou de silenciamento da nossa decisão.