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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Após 4 anos, única certeza é de que corpo de Marielle serviu à democracia

A deputada estadual Dani Monteiro com a imagem de Marielle Franco, ao fundo - Arquivo pessoal
A deputada estadual Dani Monteiro com a imagem de Marielle Franco, ao fundo Imagem: Arquivo pessoal
Dani Monteiro

Colaboração para Universa

14/03/2022 04h00

Desde a trágica noite de 14 de março de 2018, quando alguém que não se sabe quem mandou executar Marielle Franco, os disparos ecoam como se fossem agora.

Naquela manhã seguinte, sob a perplexidade que nos dominou pela desconfiança em ato tão sórdido, um amigo sussurrou como se gritasse: Marielle morreu desse Brasil que deixa escorrer sangue e ódio e fome e desesperança. A vereadora feminista encurralada em uma rua do bairro do Estácio, na Região Central do Rio de Janeiro, morreu de um país que adoece, contando as suas vítimas, sem se preocupar em buscar a cura para os males que tanto o definham.

A mãe de Luyara foi assassinada faz exatos quatro anos. Sabemos muito sobre as circunstâncias, sabemos quase nada sobre os porquês. Entre o vaivém das investigações e a agonia de tantos à espera de uma resposta, chegamos a 2022 sem saber quem é o autor da trama macabra que também matou Anderson Gomes, o motorista de 39 anos.

Atingidos por uma submetralhadora HK MP5, arma destinada a forças especiais de polícia e à Polícia Federal e cuja origem segue enviesada. As balas usadas para o crime fazem parte do mesmo lote que deixou 23 mortos na maior chacina de que se tem notícia na história de São Paulo. A maldade, como se vê, faz conexões que a nossa razão desconhece.

Desde lá, daquele 2018 que nos revelou toda a violência recalcada e entranhada em nossa sociedade com a eleição de Bolsonaros e Witzels, caminhamos repartidos, entre o gozo de uns e a estupefação de outros tantos. Desde aquela eleição que nos desmascarou a todos, ouvi sobre as muitas "sementes" de Marielle, eu mesma incluída nessa lista.

Mas, devo esclarecer, Marielle nos tratava a todas mulheres feitas e prontas, de igual para igual. No horizonte da socióloga que nasceu favelada, havia equidade, havia liberdade, havia humanidade, isso que nos falta nesse Brasil de vidas destemperadas de amor e confiança e respeito.

Marielle Franco, a ativista pelos direitos humanos, lutava contra essa sociedade que produz e reproduz desigualdades sem atentar para as necessidades mais básicas de uma multidão crescente que sente fome e passa frio. Em um ano e três meses que lhe foram permitidos de mandato, fez muito mais do que aqueles que, à sua sombra e bradando contra a sua imagem, conquistaram vagas e cadeiras nas quais sentam para servir somente a si e aos seus. O discurso do combate à corrupção, pura bravata, a mamatinha está aí.

Marielle Franco, a filha do seu Antônio e da dona Marinete, foi violentamente silenciada. Ela, que amava o outro independentemente da sua cor, do seu credo, do tamanho da sua casa e do que tenha dentro dela. Ela, hábil mediadora entre brancos e pobres, entre pretos e ricos, foi cinicamente atingida pela grosseria no trato que se tornou tão corrente nesse país que mata sem dó os sem privilégios. Que ódio é esse que nos paralisa e nos fere de morte? Por que o nosso país permite tamanhas afrontas às suas próprias leis e violações ao seu próprio povo? Que ódio é esse, minha gente?

Se podemos tirar lições dessa dor que não estanca e desse crime que não se esclarece, é certo que o corpo de Marielle - que era preto, era belo e era grande - serviu à democracia.

Para ela, que enxergava o limite da nossa capacidade destrutiva como nação, era necessário superar os fracassos, a irracionalidade e a insânia de séculos passados para garantir integridade a todos. Era chegada a hora de nos compor em outros modelos. E a sua presença, que não arreda dos nossos corações, é impulso para que façamos surgir um Brasil menos mortal.

Dani Monteiro é deputada estadual (PSOL), foi assessora de Marielle Franco na Câmara dos Vereadores e é presidenta da Comissão de defesa dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Tradutor: "Após quatro anos única certeza é que temos é que corpo de Marielle serviu à democracia"

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL