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OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Brigas no BBB 21 mostram que movimento negro é diverso

Karol Lucas Lumena Nego Di BBB 21 - divulgação Rede Globo
Karol Lucas Lumena Nego Di BBB 21 Imagem: divulgação Rede Globo
Luana Xavier

Colaboração para Universa

03/02/2021 16h35

Quando foi anunciado os nomes que estariam no Big Brother Brasil 2021 chamou a atenção de muita gente que "a casa mais vigiada do Brasil" receberia nove participantes afrodescendentes entre famosos e anônimos. Um número recorde nesse programa. Parecia que enfim a tão batalhada representatividade racial estava sendo respeitada.

Sou do time que assistiu a primeira e segunda edições do Big Brother Brasil apenas porque era novidade. Depois de longos anos sem me inteirar sobre esse reality, decidi voltar a assistir na edição de 2019, quando soube que meu amigo Rodrigo França integraria o elenco.

De imediato pensei que um homem negro, filósofo, professor e militante do movimento negro seria a peça chave para que o programa tivesse debates contundentes e fundamentais pra nossa sociedade. Certamente a passagem de Rodrigo foi importantíssima, mas a ideia de que um reality show daria conta de fazer com que o debate antirracista se espalhasse pelo país foi muito ingênua de minha parte.

Em 2020, assisti novamente o programa por conta do isolamento da pandemia. Ter algum entretenimento, que me afastasse por algumas horas das tensões provocadas pela expansão da Covid 19 era a decisão mais plausível naquele momento.

A edição teve episódios de debates significativos. O ator Babu Santana foi protagonista de alguns desses. Após a passagem dele, muitos espectadores começaram a se perguntar se deveriam utilizar a expressão "preto" ou "negro", por exemplo. A campeã da edição foi a médica anestesista Thelma Assis, uma mulher negra que não era conhecida pelo grande público até entrar o BBB.

A parceria criada entre Babu e Thelminha foi mais uma prova de que o conceito de pertencimento e irmandade defendido pela comunidade negra é real e em muitas vezes extremamente necessário.

Mas a verdade é que em vez de buscarem uma literatura específica e investirem financeiramente em absorção de conhecimento sobre a temática da negritude, muitas pessoas preferiram se ater aos papos aparentemente despretensiosos de um reality show.

Quando os nomes dos participantes da edição atual (2021) foram anunciados, a comunidade negra festejou. Abro um parênteses para apontar que quando uso termos no coletivo, não estou me referindo a totalidade, mas a uma quantidade significativa de pessoas que se aproximam por semelhanças de origem e pensamento.

O que a comunidade negra não esperava era que na primeira semana de confinamento veríamos uma guerra declarada entre participantes negros. E é nesse momento que preciso reiterar que o movimento negro é extremamente diverso, e que em um programa de entretenimento a militância ativa nem sempre é vista com bons olhos.

Dou ênfase a participação do ator Lucas Koka Penteado. Um jovem negro, de 24 anos, nascido na Zona Norte de São Paulo e que traz em sua trajetória a militância pela educação e pela igualdade étnico-racial. Lucas foi figura importantíssima no movimento de ocupação das escolas que ocorreu durante o governo Temer em 2016. Esse rapaz tem um histórico de luta no front. Se colocando em meio às trincheiras para defender aquilo que acredita.

Dentro do game ele acabou sendo ingênuo, ingenuidade esta super compreensível na sua idade. Ele não se contentou em ser um jogador com possibilidades promissoras de levar um milhão e meio e comprar a tão sonhada casa para sua mãe.

Lucas tentou mobilizar outros participantes pretos para que em uma espécie de pacto de irmandade, eliminassem os participantes brancos e seguissem até o final do jogo. Mas militância não tem fórmula. Cada indivíduo escolhe seu modo de lutar e alguns escolhem o silêncio e a inércia.

A tentativa impulsiva, incisiva e até autoritária de Lucas não foi bem recebida por alguns participantes. E a partir daí ele teve que conviver com a exclusão, a anulação e a violência psicológica. Como se sua ideia de irmandade entre pessoas negras fosse um crime.

Quem assiste pelo Pay-Per-View presenciou falas como "você vai ter que limpar a bunda de todo mundo aqui pra se redimir", "você só vai comer depois que todos comerem", "você está sendo abusivo com as mulheres", e tantas outras frases que no dia a dia já seriam violentas, mas em um confinamento podem causar danos psicológicos e emocionais que podem marcar uma pessoa por longos anos.

O que faltou em todo o grupo foi o entendimento sobre humanidade. Uma participante fez o levante, mas outros tantos foram coniventes e deixaram que Lucas passasse por um "tribunal da inquisição".

As consequências são muito sérias. Não só para o Lucas e para a reputação dos "algozes", como também para a comunidade negra como um todo. Nossa luta por igualdade vem de muitos anos, mas a sociedade sempre espera que nosso povo se digladie para que a máxima "vocês mesmos se discriminam" volte a imperar.

Anos de luta não serão apagados por um programa de entretenimento, mas as estratégias para que um dia alcancemos a tão esperada igualdade precisam ser revistas de tempos em tempos. E ainda assim, mesmo com as atitudes cruéis de alguns participantes negros, seguiremos acreditando na potência da união de nosso povo, porque como diz o rapper Emicida no documentário AMARelo: "Tudo que nós tem é nós".

Com afeto e axé, Luana Xavier.

*Luana Xavier é atriz, apresentadora e influenciadora. Em sua conta no Instagram, @luaxavier faz uma mistura ótima de assuntos interessantes que vão de dicas de livros até os últimos acontecimentos do "Big Brother Brasil".