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Certo de que ficará impune, deputado comete assédio. Mas pode ser cassado

O deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) - Arquivo Agência Alesp
O deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) Imagem: Arquivo Agência Alesp

Colaboração para Universa

17/12/2020 20h45

Em sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo na última quarta-feira, o deputado Fernando Cury (Cidadania) cometeu crime contra a deputada Isa Penna (PSOL): importunação sexual.

Ele a abraçou por trás e passou a mão pela lateral de seu seio direito. Obviamente, sem qualquer autorização da deputada que foi pega completamente de surpresa. Crime claro, já que ele praticou contra ela e sem seu consentimento ato libidinoso. É a definição do Código Penal (artigo 215-A) e não opinião minha.

O crime foi registrado em vídeo pelas câmeras da Alesp. Nas imagens é possível ver que antes de apalpar sem autorização o corpo da deputada, Fernando Cury estava em uma roda com outros deputados e um deles tentou, sem muito empenho, segurá-lo pelo braço, como quem diz "não faz isso não, cara". Depois da agressão, um dos deputados com quem Fernando conversava pouco antes vira as costas, se desviando da situação em um movimento corporal que quase diz "eu não tenho nada a ver com isso".

É impossível não pensar que Fernando Cury comentou com seus colegas congressistas o que pretendia fazer na sequência e que provavelmente tentou exibir toda a sua pretensa virilidade de homem que busca o respeito de outros homens na base da humilhação de mulheres. Infelizmente, um clássico.

Fernando é um homem adulto e ocupante de cargo público como representante do povo, mas não teve qualquer receio em agir com total inconsequência e violência. O objetivo é explícito: desmoralizar as mulheres da Alesp. E quem sabe ganhar uns pontinhos de macho alfa perante seus colegas.

Medo de ser pego? Aparentemente, nenhum. Essa ausência de medo tem apenas uma causa: os altos índices de impunidade dos crimes que violam a dignidade sexual de mulheres. Ele tem tanta certeza de que nada vai acontecer com ele, que não tem qualquer receio ou constrangimento de assediar uma deputada e, ainda mais, avisar seus colegas antes para que eles assistissem à humilhação da Isa de camarote.

A mensagem é clara: você não é bem-vinda na política e, se entrar, saiba que não será respeitada.

A deputada reagiu na hora. A sua defesa já registrou Boletim de Ocorrência e já apresentou a representação junto ao conselho de ética da Alesp.

Fernando Cury, por sua vez, pediu as clássicas desculpas de agressores sexuais, isto é, aquela que inverte os polos de responsabilidade: não foi ele que ofendeu, mas sim Isa Penna que se sentiu ofendida. Como se a sensação de ofensa de Isa tivesse brotado espontaneamente e não tendo sido diretamente causada por ação dele. Novamente, mais um clássico.

A Assembleia Legislativa estará em recesso, com retorno apenas em 1º de fevereiro. Até lá, o assunto poderá ter esfriado e há altas probabilidades do Conselho de Ética não puni-lo.

Sim, ele pode sim perder o mandato, mas para isso acontecer dependemos de outros homens que, como vimos no vídeo da agressão, não fizeram nada efetivo para impedir o crime. Será que farão algo para puni-lo?

Cabe a todo o eleitorado paulista não permitir que essa situação caia no esquecimento. Toda solidariedade à deputada e a todas as mulheres, que assim como eu, sabem as dores que enfrentam ao ocuparem espaços de poder.

*Isabela Del Monde é feminista e advogada. Cofundadora da Rede Feminista de Juristas (deFEMde), coordenadora do MeToo Brasil e sócia da Gema - Consultoria em Equidade.