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O que aprendi sobre amor fazendo um teste drive de casamento na quarentena

Mariana Xavier e o namorado, Diego Braga - Reprodução / Instagram
Mariana Xavier e o namorado, Diego Braga Imagem: Reprodução / Instagram

Colaboração para o UOL

21/07/2020 04h00

Uma das coisas mais complicadas de ser uma "figura pública" é ter que lidar constantemente com distorções e interpretações equivocadas do que a gente diz ou faz. Quando eu e Diego, meu namorado, fizemos uma live sobre transformações na quarentena e contamos que depois de quase quatro meses de excelente convivência em isolamento, voltaríamos a morar separados, eu já imaginava o que estava por vir. Era muito mais fácil as pessoas acreditarem que a gente estava disfarçando um término do que simplesmente atendendo a um desejo nosso.

O senso comum diz que "em time que está ganhando não se mexe", ou seja, "se estava dando tão certo, por que separar? Isso contraria a ordem natural das coisas". E é aí que eu pergunto: ordem natural para quem? Ordem natural é abrir mão dos seus sonhos e da sua individualidade para cumprir protocolos sociais e se encaixar num modelo que alguém disse que era o certo, mas que faz um monte de gente infeliz? Desculpa, mas para mim não. Ser padrão nunca foi meu forte e não seria diferente no quesito relacionamento.

Foram muitas as manchetes sensacionalistas fazendo parecer tragédia o que era apenas uma decisão madura e cheia de amor de um casal que entende com muita clareza que só pode ser incrível em conjunto se ambos forem realizados individualmente. Como terapeutizados e focados também no nosso desenvolvimento espiritual, viemos construindo uma relação de muita intimidade e transparência desde o primeiro encontro.

Eu e Diego íamos completar sete meses de namoro quando a pandemia chegou ao Brasil. Até então ele estava morando na casa da mãe, uma vez que tinha se divorciado há pouco tempo e precisava se reorganizar emocional e financeiramente. Ele tem filhos gêmeos de 4 anos e guarda compartilhada das crianças. Nos finais de semana, geralmente era ele quem vinha para o meu apartamento, afinal era o local onde tínhamos mais privacidade e conforto.

Encarávamos a possibilidade de morar juntos como algo muito distante. Ele, que havia saído de um relacionamento muito longo e que começou muito jovem, sentia que morar sozinho seria uma experiência importante de autoconhecimento e amadurecimento, e eu, que estava há muitos anos solteira, vivendo sozinha e criando minhas próprias regras, me perguntava se ainda gostaria ou se seria capaz de dividir meu teto novamente com alguém.

Quando veio a necessidade de isolamento, em março, precisamos reinventar nossa dinâmica. Se permanecesse da forma como vinha sendo, com o Diego na casa da mãe, que continuava saindo para trabalhar, ele estaria pondo a si mesmo, às crianças e, consequentemente, a mim em risco, porque apaixonados como estávamos, não íamos querer ficar sem nos ver. Fora isso, pensamos em como seria desafiador administrar Danilo e Diana no auge da energia trancados em um apartamento com pouco espaço para brincarem. Foi assim que depois de muita ponderação, convidei os três para passarem a quarentena aqui comigo.

Na hora, o Diego se espantou e perguntou se eu tinha certeza, afinal ele sabia da minha escolha de não ser mãe, e que lidar com os gêmeos e suas demandas em tempo integral metade da semana seria uma mudança de rotina radical. Como sempre conversamos muito e com muita sinceridade, combinamos que, se em algum momento a dinâmica ficasse pesada demais para qualquer um de nós, dividiríamos o incômodo com o outro e recalcularíamos a rota, sabendo que isso não significaria falta de amor.

Topamos o desafio! Com a faxineira dispensada para se proteger, e o número de moradores da minha casa multiplicado de repente, comecei a me deparar com uma brotação de louça na pia, de roupa no cesto e um ritmo de tarefas domésticas ao qual não estava acostumada. Eu e Diego dividíamos tudo igualmente, conscientes de que a casa e as crianças eram responsabilidade dos dois — e ainda assim tinha horas em que era bem exaustivo. Fico pensando nas mulheres que ainda se submetem a relacionamentos em que precisam dar conta de tudo sozinhas. Tão absurdo!

Aprendemos muito sobre educação não-violenta estudando juntos e sentimos um crescimento enorme da autoestima, da autonomia e da nossa conexão emocional com as crianças.

Muita gente me achou louca de topar o esquema! Em um dia, eu era namorada. No outro, estava "casada" e cuidando de duas crianças que eu não fiz, numa quarentena que ninguém imaginou que seria tão longa. Uma aventura e tanto, realmente! Quando você encontra alguém três vezes por semana só para lazer, consegue mostrar só seu lado bom. Quando está junto dela literalmente vinte e quatro horas por dia, encarando tarefas, as emoções ficam à flor da pele e não dá para esconder sua sombra, aquilo que você tem de "feio". Pulamos etapas, mas nos saímos muito melhor do que imaginávamos! Nossa relação foi para outro patamar.

Brinco que o Diego viveu comigo um processo de "empoderamento masculino": saindo da posição de filho, tomando de novo para si mais responsabilidades de uma casa, começou a se sentir apto para o desafiador sonho de viver só. E um dia, após voltarmos de uma mini viagem que fizemos pra espairecer, ele compartilhou comigo seu sentimento de vazio ao ver que Danilo e Diana estavam voltando pra casa deles (a casa da mãe), eu estava voltando pra minha casa e ele não tinha a própria casa pra onde voltar. A partir de então decidimos botar tudo no papel e fazer o sonho acontecer.

Tudo conspirou a favor: em pouco tempo encontramos um apartamento perfeitinho para as necessidades e possibilidades dele, o que coincidiu com a minha necessidade de mais tranquilidade de novo em casa para um retorno gradativo às minhas atividades profissionais. Em algumas semanas, a mudança aconteceu. E eu estou podendo reviver através dele toda a emoção que eu senti quando consegui me reerguer depois de uma separação, sair da casa da minha mãe e ter meu próprio cantinho.

Amor de verdade se alegra com a alegria do outro. Ao contrário do que muita gente embalada pelas tais manchetes sensacionalistas imaginou, não foi nem de longe uma decisão unilateral que eu tive que engolir para não perder o namorado. Foram desejos que se encaixaram com perfeição. O teste drive de casamento foi concluído com super sucesso, mas a verdade é que, além do sonho do Di, mesmo com todo o amor que tenho por ele e pelos meus enteados (e é muito!), ainda não me sinto preparada e disposta para assumir o combo em tempo integral a longo prazo. E não há nada mais libertador do que saber o que a gente quer e o que a gente não quer, e poder falar abertamente sobre isso.

Está sendo uma delícia voltar à rotina de namorados! Já o recebi em casa com jantarzinho da comida preferida da quarentena, já dormimos juntos para inaugurar o quarto novo... Quer coisa mais gostosa do que fazer as coisas porque temos vontade, e não por obrigação?