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Quem é trans não tem a opção de usar um filtro e passar despercebido

Leandrinha Du Art - Reprodução / Instagram
Leandrinha Du Art Imagem: Reprodução / Instagram

Colaboração para o UOL

16/06/2020 15h53

Começo esse texto com um alerta: usar um aplicativo como o FaceApp para "trocar de gênero" não pode ser visto como uma brincadeira. Trata-se de uma atitude que menospreza homens e mulheres transexuais, tocando em um tema complexo de forma rasa e pejorativa.

Não é a primeira vez que filtros como estes são lançados, mas desta vez a proporção foi gigante. As imagens viraram meme no meio artístico — e muitas personalidades aderiram. Percebo que a maioria delas é cis gênero, para não dizer heterossexual e branca.

Muitas das pessoas postaram suas versões "de outro gênero" não têm consciência sobre questões LGBT. Fazem isso porque acham engraçado, mas nunca cogitaram verdadeiramente esse tipo de mudança, nem se preocupam de fato com as pessoas trans.

A minha transição aconteceu há mais de sete anos. Não tenho a opção de usar um filtro e passar despercebida: escolhi passar por ela e hoje carrego o peso da minha identidade, de viver no país que mais mata pessoas como eu, de ser uma personalidade politicamente exposta. Minha imagem e meu rosto têm peso.

É daí que vem o incômodo: um ícone de beleza feminina, por exemplo, não sabe a batalha de anos que um rapaz trans trava para se livrar do feminino em si mesmo, nem quantos cometem suicídio por não encontrar apoio durante esse processo. Não sabem o peso que é lidar com a própria aparência.

Hoje as discussões com relação ao gênero estão tão mais elevadas: não dá mais para brincar com isso. Seria a mesma coisa usar um aplicativo para ficar, por exemplo, preto. É horrível. Dentro da ferramenta existem tantas outras possibilidades, como a de parecer mais jovem, mais velho ou de ter o cabelo comprido. Se a ideia é brincar com a própria imagem, por que não usar essas?

A nossa luta é para sair da lógica binária da ministra Damares, do "meninos vestem azul, meninas vestem rosa". A proposta é ser um corpo liberto das amarras do que é ser homem ou mulher. Mas a verdade é que sufocante o tamanho do espaço que temos para discutir possibilidades de gênero.

O que falta para as pessoas é adquirirem consciência do corpo que ocupam, do privilégio que têm. Antes de publicar uma foto, poderiam analisar com mais cautela se ela afeta, menospreza ou diminui a existência do outro. Então, não. Não venham me dizer que é só uma brincadeira.