Topo

Você já se perguntou por que há tantas modelos negras de cabeça raspada?

Colaboração para Universa

12/06/2020 04h00

Desde que George Floyd, homem negro, foi assassinato diante de câmeras de um celular atento por um policial branco em Mineapollis (EUA), a branquitude brasileira descobriu o racismo e, convenientemente, posicionou-se como antirracista no ambiente digital para aliviar suas próprias dores de consciência. Diante do oportunismo, vítimas e testemunhas de situações racistas envolvendo personalidades vieram a público revelar as verdades escondidas por detrás das hashtags e posts pretos que se multiplicaram nos últimos dias pelos perfis das redes sociais.

A modelo Thayná Santos foi uma das pessoas que não permitiram que seu silêncio se transformasse em arma na mão de seus opressores como bem escreveu a escritora Alice Walker. Thayná denunciou estilistas famosos que se aproveitaram do momento para declararem-se apoiadores do movimento Vidas Negras Importam, mas no dia a dia de trabalho reproduzem ativamente práticas discriminatórias. A top model relatou episódios em que sofreu racismo e abriu espaço para que outras modelos e profissionais de moda fizessem o mesmo apontando situações violentas e criminosas envolvendo grandes nomes, como Reinaldo Lourenço e Glória Coelho.

Pressionados por diversos relatos, os dois estilistas vieram a público reconhecer que foram perpetuadores de práticas racistas no ambiente fashion e se comprometeram com uma postura ativa para que a mudança aconteça a partir de suas empresas. Estaremos atentos e fortes à espera de ações que demonstrem que Coelho e Lourenço estão realmente envergonhados e sentindo-se culpados por suas posturas expropriatórias exercidas durante anos e anos.

Todos nós sabemos, e, se você não sabe, me permita te contar, que a passarela fashion e todo o seu ambiente sedutor construído em torno de dinheiro, fama e glamour é extremamente discriminatório. Beleza é sim um sistema monetário e os grandes lucradores são homens brancos que incitam mulheres a competirem entre si para se enquadrarem num padrão pré-estabelecido que elegeu a beleza europeia como sendo a beleza normalizada.

Há tempos, modelos, jornalistas, influencers trazem à tona situações racistas na moda e o quanto esse espaço vem contribuindo para a manutenção da censura dos corpos e rostos de mulheres e homens reais.

Mulheres negras, mulheres gordas, mulheres trans. Estes corpos não estão nas passarelas. São poucos os estilistas que, assim como Issac Silva, Carol Barreto, Angela Brito ou Paulo Borges abrem espaço para corpos plurais e assumem uma postura ativa no momento de escolha do casting incluindo modelos negras e gordas sem exotificá-las.

A moda exclui, maltrata e tortura em todas as suas cadeias, desde a produção à venda.

Os bastidores são ainda mais agressivos do que Thayná trouxe à tona. Estamos falando de cenas reais de racismo cotidiano. Agências que incitam modelos negras a se tornarem inimigas na busca pela única vaga que é aberta no casting. Piadas jocosas, horas de espera sem comida para ser recusada em uma seleção, maquiadores que não sabem maquiar e não carregam produtos para a pele negra, cabeleireiros que se recusam a tocar em cabelos crespos ou o fazem com agressividade. Em algum momento você se perguntou por que há tantas modelos negras de cabeça raspada?

Não é para serem exóticas. Aliás, não há nenhum exoticismo em ser negra. O que tem é o racismo que as impede de desfilar porque o estilista, muitas vezes, diz que seus cabelos crespos não combinam com a coleção. Nunca foi glamour, sempre foi racismo.

Glória Coelho e Reinaldo Lourenço surfaram na onda antirracista e postaram quadrados pretos em seus perfis para esconder toda uma vida de práticas excludentes na passarela. Foram desmascarados enquanto tentavam parecer revolucionários. Assumiram o oportunismo, pediram desculpas sutis e seguirão suas vidas como se nada tivesse acontecido porque amanhã ou depois poucas pessoas darão importância ao fato que já foi normalizado no Brasil, pessoas brancas cometendo racismo.

Mas e as modelos? O impacto psicológico gerado pelo racismo na vida de pessoas negras pode levar à morte. Quando a cor da sua pele é uma barreira para que as pessoas te reconheçam como competente se torna cada vez mais difícil seguir a vida sem que isto influencie na sua estabilidade emocional.

Como bem escreveu a filósofa Djamila Ribeiro, um levante está em curso no Brasil. E quem insistir em ficar na frente será atropelado pela marcha da história uma vez que a era da inocência acabou. Mais pessoas como Thayná estão percebendo que romper com o silêncio é gritar por sua existência e não se deixar ser definido pelo olhar do outro. Não é fácil fazer como nos sugere sabiamente a escritora Conceição Evaristo e estilhaçar a máscara do silêncio, mas aos poucos os oprimidos vão entendendo o poder libertador das suas falas.