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A heterossexualidade compulsória só atrasa a vida de quem quer se amar

Angélica Morango para blog especial - Arquivo Pessoal
Angélica Morango para blog especial Imagem: Arquivo Pessoal

Colaboração para UNIVERSA

18/10/2019 04h00

Oi, tudo bem? Meu nome é Ana Angélica, tenho 34 anos e já falei e escrevi sobre ser lésbica umas mil vezes. Já me perguntei se não deveria parar de abordar o assunto, mas cheguei à conclusão de que preciso continuar enquanto as pessoas ainda tiverem ideias preconcebidas sobre a minha sexualidade, que ora é fetichizada demais, ora é invisibilizada. Sim, já transei com homens. Não, eu não fui mal comida.

Me entendi lésbica na adolescência, mas desde a infância eu já me sentia diferente das outras meninas. Nem todas as mulheres que se entenderam ou que ainda vão se entender lésbicas têm historias semelhantes. Cada pessoa tem seu tempo.

Angélica Morango - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal
A heterossexualidade compulsória (ou heterossexualidade obrigatória) só atrasa a vida de quem quer se amar e se aceitar do jeito que é. Sim, por causa da heterossexualidade compulsória eu já senti que não pertencia a lugar nenhum. Não, eu não sou lésbica por sem-vergonhice.

Não vim romantizar as relações entre mulheres, até porque eu não cometeria essa leviandade. Relações humanas, de modo geral, são delicadas. E a graça é justamente essa. Não existem pessoas infalíveis, divertidíssimas e fodonas 24 horas por dia, sete dias por semana. Existem pessoas, apenas. Recebendo, absorvendo e respondendo aos estímulos da vida.

Tá, mas e na cama?

Se você tem curiosidade sobre o que rola entre duas mulheres na cama, em uma palavra não terá mais: depende. Assim como uma transa entre um homem e uma mulher, ou entre dois homens, ou entre duas pessoas não-binárias, e por aí vai... Depende do quanto as pessoas estão a fim de dar e receber prazer. É sério.

Sexo oral, por exemplo, nem toda lésbica sabe fazer - até porque cada mulher pode gostar de sexo oral de um jeito: com mais ou menos pressão, com lambidas ou sucção, com penetração ou sem. E a preferência por um jeito ou por outro pode mudar com o tempo.

Eu não era muito fã de sexo oral. Curtia como uma preliminarzinha, um aquecimento. Até que um dia, muitos anos depois da minha primeira vez, eu descobri que era bem gostoso gozar assim.

É que, se a gente pensar bem, a gente tende a reproduzir o que aprende. E como a gente aprende a transar? Geralmente, prestando atenção às cenas mais quentes das novelas, dos filmes comuns e assistindo a pornôs. E a maior parte desse conteúdo é criado por homens e para homens reproduzindo o modelo falocêntrico (centrado no falo, no pênis) cultuado há séculos.

No mundo ocidental, só a partir da primeira revolução sexual, na década de 1960, as coisas começaram a mudar. Começaram. Porque estamos evoluindo a passos lentos e aos soluços.

Nasci em 1985 e, na minha geração, os garotos ganhavam revistas masculinas (geralmente dos pais, tios e primos), e eram incentivados a se masturbarem. Já as garotas, eram ensinadas a fazer bolo (e não a bater um).

Se você não pegou a referência, eu conto: "bater bolo" é uma de dezenas de expressões escalafobéticas para a prática da masturbação. E por que os rapazes deveriam aprender a se divertir com seus corpos e as moças não? Porque a sexualidade feminina era negligenciada e preterida. Era.
Demora um tempo até a gente entender que sexo é muito mais que aquele movimento de vai e vem. Que é muito mais que satisfazer o outro (ou a outra). Que não termina com aquela frase cafajestíssima do "Foi bom pra você?".

Pra ser bom, a gente precisa se conhecer primeiro. Pra ser incrível, precisa se sentir à vontade e com vontade da pessoa com quem vamos pra cama. Pra ser a trepada do século, basta estar de corpo e alma ali e sentir que é recíproco.