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Mortes anunciadas

Priscila Barbosa/Arte UOL
Imagem: Priscila Barbosa/Arte UOL

A organização Mundial de Saúde afirma que o Brasil é o 5º país mais perigoso para as mulheres, entre 85 nações pesquisadas. As brasileiras, especialmente as negras das camadas mais populares, sabem desta realidade sem a necessidade de pesquisas. Faz parte de seu dia a dia. É só ver as manchetes e os números que indicam mais de 100 casos de feminicídio apenas  nos primeiros 50 dias do ano.

Uma mulher brutalmente espancada num primeiro encontro. Outra, vítima de abusos pelo padrasto por anos sem encontrar proteção e segurança para denunciar. Mulheres queimadas. Violentadas. Assediadas. Mortas. Caladas. São violências e mortes evitáveis e, por isso mesmo, temos leis como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio.

Ambas trazem mecanismos importantes para coibir esse verdadeiro massacre a que estão submetidas as mulheres. Mas, a legislação precisa ser cumprida pelas autoridades e a realidade não pode continuar alicerçada no machismo que não aceita o fim de um relacionamento, não admite que a mulher assuma seu direito à autonomia e à uma vida sem violência. Não admite a ideia de igualdade entre homens e mulheres.

Neste sentido, o Estado tem papel fundamental. Não só para implementar as políticas públicas necessárias para prevenir, coibir e punir a violência contra as mulheres, como promover ações que combatam a lógica de inferioridade do dito "sexo frágil". Uma vítima recente de brutal espancamento declarou, com razão, que não adianta denunciar se não há consequência efetiva na investigação e na punição, pois os agressores, impunes, voltam a cometer novos crimes.

Elaine está coberta de razão mas, lamentavelmente, o governo atual caminha no sentido contrário. Duas medidas já em curso são motivo de grande preocupação e precisam ser denunciadas: a flexibilização da posse de armas e o pacote anticrime. O primeiro via decreto, ou seja, já em vigor. O segundo, mediante a apresentação de 3 projetos ao Congresso Nacional.

Dados do Ministério da Saúde para o ano de 2017 revelam que quase 5 mil mulheres foram vítimas fatais em casos de agressão. Destas, mais da metade (2.577) por meio de armas de fogo. Facilitar a posse de armas e garantir até quatro delas dentro de casa só fará aumentar esta triste e dramática estatística. Um acesso de raiva, o excesso de bebida e uma infinidade de outros motivos usados para justificar a violência serão caminho certo para o uso da arma.

Mas a isso ainda se soma o pacote anticrime que poderá fazer com que o criminoso não receba qualquer punição. Isso porque o projeto altera o art. 23 do Código penal determinando que "o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção." Isso é muito grave, pois amplia um retrógrado e falso conceito de legítima defesa. A surpresa mediante um anúncio de separação ou a violenta emoção causada por uma discussão acalorada por qualquer motivo serão os álibis. Medo ou violenta emoção são as senhas a liberar um tipo de assassinato perfeito, pois sem punição.

O "novo" Brasil é aquele que caminha a passos largos para legalizar o feminicídio.

Esse é o retrato mais cruel do bolsonarismo.

*Jandira Feghali é Deputada federal (PCdoB/RJ), foi relatora da Lei Maria da Penha e é líder da Minoria na Câmara dos Deputados

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