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Imagens de mulheres na arte contam história de poder, não de opressão, diz socióloga

Por Camila Brandalise

Durante 8 anos, a socióloga Isabelle Anchieta pesquisou pinturas, fotos e documentos para escrever a trilogia "Imagens da Mulher no Ocidente Moderno" (ed. Edusp), lançada recentemente. "Encontrei o contrário do que todos os historiadores pensam: em vez de opressão e silenciamento feminino, vi mulheres conscientes do seu lugar, detentoras de poder, astutas e subversivas."
"Bruxas Jovens", de Hans Baldung Grien, 1523
Nos três livros, divide essas imagens em cinco estereótipos: a bruxa (como as desta imagem), a índia tupinambá canibal, Maria, Maria Madalena e as estrelas de Hollywood. Na sequência, a autora analisa cada um deles.
"Bruxas Jovens", de Hans Baldung Grien, 1523

A Bruxa

"As primeiras representações das bruxas eram de mulheres muito bonitas. Elas viviam sexualidades livres, viúvas ou solteiras, e descontrolavam o sentimento dos homens. Eram as médicas dos pobres, parteiras, benzedeiras, usavam suas ervas. Tinham credibilidade de poder sobre vida e morte e passaram a incomodar a Igreja Católica."
"Quatro Bruxas Jovens", de Albrecht Durer, 1497
"A igreja, então, passa a persegui-las não por serem submissas e fracas, mas por serem fortes. E por uma construção estereotípica nas imagens vão criando a associação maligna da mulher com o diabo. Era uma disputa de autoridade."
"Bruxas", de Hans Baldung Grien, 1510

A índia tupinambá canibal

"As tupinambás eram protagonistas dos rituais canibais no Brasil. Elas recebiam o prisioneiro e faziam dele 'escravo' sexual. Nos caldeirões, escaldavam a pele da vítima e cozinhavam as vísceras. O famoso caldeirão das bruxas foi exportado do Brasil para a Europa como elemento iconográfico."
"Caldeirão", de Theodore de Bry, 1592,

Maria e a Igreja Católica

"A imagem de Maria vai ganhando mil formas para diferentes arranjos. Começa com a ideia do poder da Igreja Católica, em que ela é a própria igreja. Ela foi tudo, menos a imagem da mulher, e vai criar um padrão impossível, que é o de uma virgindade imaculada com filho."
"Maria", de Giotto, 1300-05

Maria como mãe

"Depois que a arte começa a ser patrocinada pelos burgueses italianos, Maria aparece mais maternal, alimentando Jesus. Aqui já há idealização da maternidade como virtude. Mas é ainda um tormento pela perda da virgindade. Para se redimir, foi construída a pedagogia da boa esposa, que incluía fazer do casamento uma amizade, não paixão"
Maria amamentando Jesus, obra de Bartolomeo da Camogli

Maria Madalena

"A Igreja tinha que encontrar uma imagem não tão imaculada como a de Maria para trazer os fiéis de volta, pois havia a concorrência com protestantes. Agora a mulher é Maria Madalena, que aparece pelo caminho da penitência, do arrependimento. É uma figura com sentimentos mais humanos, como luto da perda do homem que amou."
"Conversão de Madalena", de Artemisia Gentileschi, 1620

Mulher sem arrependimento

"O quadro Olympia, de Eduard Manet, é considerado o marco da entrada na modernidade e retrata uma prostituta deitada na cama. Foi um escândalo porque há a afirmação da figura feminina sem qualquer ancoragem moral, sem arrependimentos. É o fim da moralidade cristã."
"Olympia", de Eduard Manet, 1863

As estrelas de Hollywood

"Theda Bara foi uma das primeiras 'stars' de Hollywood. Fez uma subversiva no filme 'Escravo de uma Paixão', de 1915, em que não se casa com ninguém, não tem filhos e usa homens para seu prazer. As 'stars' tinham muito poder., controlavam a indústria do cinema e legitimavam subversões femininas. Não vão mais para fogueira, mas para o estrelato"
Divulgação

As personagens de Hollywood

"Minha pesquisa chega até 'Barbarella', de 1968, personagem de Jane Fonda que era uma heroína do futuro. A arma dela é a sexualidade. Ela tem prazer, goza, mas não se casa. Fala-se em objetificação, mas elas representavam poder."
Getty Images

Conclusão

"A repetição da ideia de que as mulheres foram silenciadas acaba criando a ideia da fragilidade feminina. Mas a imagem é uma arma simbólica poderosíssima. É melhor criar a ideia da força, do poder e da capacidade. Desde que existe uma mulher, há vontade de autodeterminação. Isso não começou com o feminismo."
"Quatro Bruxas Jovens", de Albrecht Durer, 1497
Publicado em 31 de Maio de 2020.
Reportagem e montagem: Camila Brandalise; Fonte: Isabelle Anchieta, autora da trilogia "Imagens da Mulher no Ocidente Moderno" (ed. Edusp); Edição: Andressa Rovani; Fotos: Divulgação.