Memória viva

Carolina Maria de Jesus, além de seus diários

Por Nathália Geraldo

Carolina Maria de Jesus é um dos maiores nomes da literatura brasileira. Neste sábado (25), sua vida, com fotos, documentos e manuscritos, será apresentada ao público em uma exposição no Instituto Moreira Salles, o IMS, em São Paulo, para além dos estereótipos que a ligam à pobreza.

Um Brasil para os brasileiros

O título da mostra remete a dois cadernos originais deixados por Carolina com a história de sua própria infância e adolescência em Sacramento, Minas Gerais. Carolina Maria de Jesus nasceu em 1914, e viveu o período latente após o fim da escravidão de negros no país.
Arquivo Público do Estado de São Paulo/Última Hora
O livro mais famoso da escritora é "Quarto de Despejo: Diário de Uma Favelada", de 1960. Nele, ela narra seu dia a dia como catadora de papel e na favela do Canindé, em São Paulo. Mostra um retrato, ainda palpável nas periferias brasileiras, de falta de acesso e descaso do poder público com a população.
Arquivo Nacional/Correio da Manhã

O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora.

trecho de "Quarto de Despejo"

Pouco mudou

A realidade de "Quarto de Despejo" é tão atual que a professora Vera Eunice de Jesus, filha da escritora, diz que seus alunos vivem o que ela viveu na infância. "Eles chegam com fome. São minha cópia", disse, para Universa.
Arquivo Público do Estado de São Paulo/Última Hora
Norberto/Acervo Ultima Hora/Folha Imagem

25 de setembro... Não durmi por estar exausta. Pensei até que ia morrer. Eu tenho impressão que estou num deserto. Tem hora que eu odeio o reporter Audálio Dantas. Se ele não prendesse o meu livro eu enviava os manuscritos para os Estados Unidos e já estava socegada. Levantei-me duas vezes para matar os pernilongos.

trecho com transcrição literal de "Quarto de Despejo"

A personagem real

A figura de Carolina Maria de Jesus não se limita a sofrimento e dificuldades, uma narrativa de recorte racial que só atinge pessoas negras. Tão pouco se reduz a um talento "descoberto" pelo jornalista Audálio Dantas, já falecido, nos anos 1950.
Arquivo/Estadão Conteúdo
Para a historiadora Raquel Barreto, que faz parte da curadoria da mostra, os visitantes estarão diante da escritora apropriada de sua própria história -- o que torna ainda mais potente sua obra e seu legado como uma mulher negra e periférica na literatura.
Arquivo Público do Estado de São Paulo/Última Hora

Carolina sempre foi apresentada de forma mediada, pela publicação de livros que nem sempre trouxeram o texto completo dela. A gente tomou como partida trazer a escrita e a letra da autora, para que as pessoas a conheçam pelo próprio texto.

Raquela Barreto, que se dedica ao estudo do pensamento e de produções artísticas negras
O IMS completa a imersão pelo mundo de Carolina com obras de 60 artistas que dialogam com o que a escritora deixou para o mundo: entre eles, Heitor dos Prazeres (1898- 1966), Maria Auxiliadora (1935-1974) e os contemporâneos Paulo Nazareth e Rosana Paulino.

Serviço

A mostra fica até 30 de janeiro de 2022 no IMS Paulista (Avenida Paulista, 2.424, Bela Vista). A entrada é gratuita, e é preciso agendamento prévio pelo site. A visitação é de terça a domingo e feriados (exceto às segundas), das 12 às 18h, e são seguidos os protocolos de segurança em relação ao coronavírus.
IMS/Acervo UH/Folhapress
Publicado em 25 de setembro de 2021.
Reportagem: Nathália Geraldo Edição: Barbara dos Anjos Lima Fotos: Divulgação IMS Continue navegando por Universa