Entre desenho na TV e João Gilberto, Air traz ao Brasil música bem francesa

Músicas inspiradas em programas de TV. Com aspiração romântica, mas sem regras. E mais francesa do que croissant. Assim é o som do Air, dupla que vem ao Brasil como uma das principais atrações do C6 Fest, que acontece no parque Ibirapuera, em São Paulo, entre 22 e 25 de maio.

O Air é formado por Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel, dois amigos que cresceram em Versalhes e que viraram nomes bastante conhecidos em 1998, quando lançaram o primeiro disco, "Moon Safari".

O álbum revigorou a cena da música eletrônica ao trazer faixas com batidas mais lentas, muito inspiradas em trilhas de filmes e animações que eram exibidas na TV.

Depois vieram outros, como "10 000 Hz Legend" (2001) e "Talkie Walkie" (2004), que colocaram o Air como um dos nomes mais respeitados e sofisticados da eletrônica.

A dupla vem ao país para fazer um show especial: tocar, na íntegra, o disco "Moon Safari".

Em entrevista ao TOCA, Nicolas Godin (que é casado com a brasileira Iracema Trevisan, ex-Cansei de Ser Sexy e hoje designer e diretora de arte) falou sobre como será o show (músicas de outros discos também serão apresentadas), como João Gilberto foi trilha da sua adolescência e por que ter nascido na França fez toda a diferença para ele.

Air durante show em Austin, no Texas, em 2024
Air durante show em Austin, no Texas, em 2024 Imagem: Rick Kern/Getty Images

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O que ele disse

TOCA - Como deve ser o show aqui no Brasil? Vocês tocam outras músicas além das que estão no disco "Moon Safari"?

Nicolas Godin - Sim, tocamos, até porque o "Moon Safari" tem só 40 minutos de duração, é um disco bem curto. Então nós tocamos "Moon Safari", saímos do palco e então voltamos e tocamos outros grandes sucessos.

E vocês tocam o "Moon Safari" na sequência em que as músicas aparecem no álbum, não?

Sim, tocamos o disco inteiro ao vivo na mesma ordem, porque a sequência é praticamente perfeita. Quando fizemos o álbum, passamos muito tempo para ordenar essas dez músicas da melhor maneira.

A música do Air é bem lenta, então é preciso encontrar um equilíbrio sutil entre as faixas, para o ouvinte não ficar entediado. Acho que conseguimos, então queremos que as pessoas tenham a mesma experiência ao vivo. Nicolas Godin

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Vocês são frequentemente citados como uma banda de música eletrônica. O Air é realmente uma banda da cena eletrônica? Ou pertencem a outro grupo?

Somos músicos com formação clássica, mas começamos a fazer música nesse ambiente eletrônico, com samplers e computadores. A nossa geração foi a primeira a fazer álbuns no próprio quarto. Foi assim que aprendemos. Depois, quando entramos em um estúdio de verdade, ficamos até um pouco perdidos, porque estávamos acostumados a gravar com equipamentos eletrônicos em espaços pequenos.

Somos músicos tradicionais, mas muito à vontade no ambiente eletrônico. Nunca tivemos medo de usar computadores ou qualquer equipamento eletrônico. Também somos grandes apaixonados por sintetizadores, nascemos na mesma época deles.

Somos uma geração muito estranha, crescemos com os sintetizadores, então é algo normal para nós. Até porque não conhecíamos a era anterior aos sintetizadores. Então, para a gente, é como o ar que respiramos. Nicolas Godin

A dupla francesa AIR se apresenta no C6 Fest 2025
A dupla francesa AIR se apresenta no C6 Fest 2025 Imagem: MATHIEU RAINAUD

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Agora, em 2025, ao olhar para trás, como avalia o disco "Moon Safari"? O que ele representa não só para o Air, mas para a música eletrônica e pop em geral?

Acho que representa algo único. Não vejo outro álbum igual. Vai além de ser bom ou ruim. É um pequeno milagre, nunca pensamos que faria tanto sucesso. Fizemos o disco do nosso jeito, com influência francesa, claro, mas sonhando com os Estados Unidos, com todos aqueles grandes compositores, como Burt Bacharach e outros compositores de trilhas.

Sonhávamos com um estúdio em Los Angeles, mas estávamos numa salinha em Versalhes. Então é um álbum de fantasia. É um álbum muito lento. Na época, todos os meus amigos faziam algo parecido com house music, como (a banda) Phoenix e (o DJ) Étienne de Crécy. Mas eu sentia que toda vez que eu dividia a velocidade das músicas pela metade, tipo de 120 bpm para 60 bpm, tudo ficava ótimo.

Talvez seja porque tenho pressão baixa, então faço músicas bem lentas. Nicolas Godin

Como vocês começaram? O que passava pela sua cabeça quando começou a fazer músicas como Air?

É engraçado porque o que passava pela minha cabeça era a minha cultura e a forma como aprendi música. Cresci na frente da televisão, aprendi a gostar de música assistindo a TV. Se você é inglês, quando começa uma banda, você logo quer fazer rock ou pop. Mas, para mim, a música era inspirada por seriados, filmes e desenhos.

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Quando era adolescente, ouvia coisas como Ennio Morricone, John Barry e João Gilberto. Quando os meus amigos ingleses ou americanos começaram a fazer música, eles sempre pensavam em criar canções, com toda a estrutura de uma canção.

Eu queria fazer algo sem regras. Se encontrasse uma melodia, podia ser uma canção ou algo instrumental, tanto faz. É uma abordagem diferente. Tentei fazer um disco que fosse um testemunho e um tributo ao aprendizado que tive.

Algo que sempre achei estranho é que todo mundo assistia a TV, mas só nós quisemos prestar homenagem a esse estilo de música. Nicolas Godin

Ser francês ajudou ou atrapalhou a sua carreira?

Ah, ajudou muito. Estamos completamente separados do mundo do show business. Poderíamos ter ido para Londres ou Los Angeles, mas aí teríamos virado uma banda normal.

Ao ficarmos em Paris, não tínhamos ideia do que acontecia fora. Por isso, ficamos frescos e originais. Depois de "Moon Safari", vieram "10 000 Hz Legend", [a trilha de] "Virgin Suicides", "Talkie Walkie", todos esses álbuns não seguem regras. Foram feitos sem pressão, só por diversão, porque tivemos uma vida legal em Paris.

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É como morar no Rio: você tem uma vida legal, não precisa de mais nada. Paris é assim. Por que ter uma carreira se você pode passar o dia todo no café conversando com os amigos? Por isso, nossa música é completamente livre de pressão comercial. Nicolas Godin

O que é o "French Touch" (subgênero da house criado por artistas franceses da dance music)? Por que é algo tão comentado na eletrônica? O que é esse toque francês?

A França tem grandes músicos de eletrônica há bastante tempo, como Jean-Michel Jarre. Depois tivemos a cena disco, com muitos produtores bons, por isso temos artistas tão inspirados pela disco, como Daft Punk. E também gostamos muito de romantismo, tanto que tivemos, na pintura, os impressionistas, como Monet, mas também na música, como Debussy, Ravel, Erik Satie.

O primeiro "French Touch" veio com esses caras, Satie, Ravel e Debussy. Acho que roubamos muita harmonia e progressão de acordes deles. Temos toda essa tradição francesa na música. Talvez a bossa nova seja próxima, em termos de harmonia. Nicolas Godin

Muitos artistas se preocupam com o aspecto visual dos shows. Isso é importante pra vocês também?

Sim, mas é meio complicado porque construímos algo como uma grande caixa e é complicado levar para todo lugar. Quando estávamos fazendo "Moon Safari", tínhamos imagens em mente, tipo "2001", de Stanley Kubrick. Crescemos em Versalhes, e os jardins do Palácio de Versalhes são muito puros, muito zen, com linhas paralelas e poucos elementos. Somos muito influenciados pelo vazio, pela perspectiva e pelo horizonte.

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Vivemos hoje em uma era digital não só na música, mas em todos os aspectos. Vocês gostam deste novo mundo?

Eu gosto das coisas orgânicas. Gosto do analógico, de tocar nas coisas. Cresci com vinis e suas capas. Não sou muito fã do digital, não fico o tempo todo no celular. Muita gente da minha idade tem medo de não ser mais fashion, tem medo de envelhecer. Eu não tenho medo de envelhecer, acho incrível.

Acho [o digital] ótimo para pesquisar, assisto muito ao YouTube, gosto desse banco de dados gigante porque sou um grande nerd da música. Vejo entrevistas de pessoas que fizeram sucesso antigamente. Posso ver como o Prince fazia seus álbuns. Adoro essa conexão, esse compartilhamento do conhecimento que o digital proporciona. Mas não gosto da parte não material.

Adoro fitas, vinis, sintetizadores de verdade, gosto de mexer nos botões, gosto de grandes sistemas de som. Não gosto desses alto-falantes pequenos de hoje em dia, sabe? Nicolas Godin

C6 Fest

Quando: 22 a 25/5
Onde: parque Ibirapuera, São Paulo
Quanto: a partir de R$ 272 (meia entrada clientes C6 Bank)
Ingressos à venda pelo site https://c6fest.byinti.com/#/event/2pHYpaTshcnO_vjjaxQv
Classificação
: 16 anos; menores somente acompanhados dos pais ou responsável legal

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