Quem foi Edy Star: de parceiro de Raul Seixas a '1º artista gay assumido'

Em 1973, a dupla Erasmo e Roberto Carlos compôs uma canção que seus fãs, naquele início de reinado romântico nas FMs, nem chegaram a conhecer.
O rock chamado "Claustrofobia" iniciava com um pedido: "E dou vexame porque preciso de espaço. Quero respirar senão acabo no bagaço, atravessando o compasso".
Os versos davam voz a alguém que clamava por espaço - "senão eu grito", repetia no fim do refrão.
Nem Erasmo, nem Roberto chegaram a gravá-la. A música foi feita a pedido de um artista baiano em ascensão no teatro musical, Edy Star, que morreu nesta quinta-feira (24), aos 87 anos.
Artista plástico e um dos performers mais quentes da noite carioca nos anos 1970, Edy estava prestes a gravar seu primeiro disco solo, "Sweet Edy", e pedia canções para conhecidos. Entre eles, o amigo de adolescência de Salvador, Gilberto Gil, que assim definia o amigo: "uma bicha baiana maravilhosa".
A música dos reis da Jovem Guarda servia de metáfora numa época em que a comunidade LGBTQIA+ sequer conseguia se identificar por letras, mas tinha como habitat um armário bem trancado.
Não era o caso de Edy, que protagonizaria, dois anos depois, a adaptação brasileira do musical "Rocky Horror Show", vestido de biquíni e espartilho no palco.

A censura, claro, ficou em cima o tempo todo. Nas fotos de divulgação, Edy aparecia apenas de macacão e a música principal do espetáculo, "Sweet Transvestite", foi vetada por trazer a palavra "travesti". Ainda assim, ele lembra bem a sensação de liberdade que corria na cena carioca, do Teatro Rival às boates da Praça Mauá. Ali, ele era o rei da noite. "Tinha strip-tease, nu frontal, show lésbico, um anão nu que corria pelo palco", diz. "Tudo que a censura proibia, a gente tinha."
Edy chegou aos 87 anos com os cabelos ainda compridos e a cabeça fervilhando histórias, que contava entre rompantes de deboche e gargalhadas altas.
Parcerias com Raul e Gil
Participou de filmes, dirigiu peças, foi dono de puteiro em Madri e é celebrado até hoje pela parceria com Raul Seixas no álbum coletivo "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10" (1971), objeto de culto e item valioso entre colecionadores.
Nos anos 1950, em Salvador, trabalhava como desenhista-vitrinista da loja "O Cruzeiro" de dia, mas a noite caía nos bares e puteiros dando canja com Glauber Rocha e Gilberto Gil, que na época tocava acordeom na TV Itapoã. Cantava desde criança, numa rádio local.
Já nos anos 1960, dividiu a mesma banda de Raul Seixas nas chamadas "sessões de rock" que aconteciam mensalmente no Cine Roma. Conheciam-se desde crianças, por morarem próximos no bairro de Monte Serrat e integrarem o famoso fã-clube da cidade, o Elvis Rock Club.
Certa vez, os dois brigaram após uma apresentação. Raul teria ficado incomodado com a performance de Edy no palco — e com a reação efusiva da plateia, que parecia ofuscar sua apresentação.
Eu viadérrimo, cantando 'La Bamba', descia na plateia. O Raul, por ciúmes ou não, achava uma afronta ter que acompanhar aquele viado. Que coisa ridícula! Ficamos amicíssimos logo em seguida, até a morte
'Assumi quem eu sou'
Diferente de seus antigos parceiros que alcançaram fama nacional, como Raul e Gil (com quem compôs a música 'Procissão', que integra atualmente a turnê de despedida do baiano), Edy se tornou uma figura cult e levou a fama de ser o primeiro artista brasileiro a se assumir homossexual — pelo menos através da imprensa.
Foi durante uma entrevista para a revista "Fatos e Fotos", na época do seu primeiro disco. Perguntado ao que ele creditava todo o sucesso, Edy respondeu: 'Porque eu assumi o que eu sou'.

A frase foi destacada e correu como uma revelação bombástica, apesar de óbvia. "Eu pensei: 'ué, mas todo mundo não sabia?'", contava, envaidecido.
Achei tudo maravilhoso. Meu bem, não me abatendo fisicamente, o resto você pode. Pode falar tanto 'filha da puta!' quanto 'maravilhoso!'
Seu visual andrógino e o jeito irreverente chamaram atenção da TV Globo na época. Chegou a ser contratado da emissora, mas diz que ficou na geladeira. "Nunca gravei um programa, não sei se por homofobia. Não faço a menor ideia."
Talvez por isso tenha desencanado de seguir a carreira fonográfica. Quando o disco solo saiu, em 1974, ele disse ter odiado. "Tinha também um ranço da Globo, porque quem fez a orquestração era o Guto Graça Melo, que cuidava da trilha das novelas", observa.
Figura conhecida no Largo do Arouche, em São Paulo, onde morou até o fim da vida, Edy pouco revisitou sua obra musical. Em 2017, gravou o segundo disco, com produção de Zeca Baleiro, e em 2023, lançou um tributo a Sergio Sampaio, seu colega da época da "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista".
Irreverente, ele disse a este repórter, em 2022, querer queimar todo seu arquivo antes de morrer. E subiu a voz para debochar do reconhecimento pós-mortem que costuma recair a tantos artistas malditos, como ele:
Depois que eu morrer, vai ganhar dinheiro fazendo biografia minha? Você tá doido! Grande artista o caralho. Morri, porra!
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