Ex-morador da Favela do Moinho, Nego Bala gravou com Elza Soares: 'Deusa'

Marcelo Abdinego Justino Generoso, 27, mais conhecido como Nego Bala, tem a história de vida atravessada por lugares de São Paulo focos de violência policial. É o caso da Cracolândia — onde nasceu — e a Favela do Moinho — onde já morou —, última favela do centro paulistano que, nesta semana, está sendo alvo de remoção pelo governo estadual.
A favela do Moinho é uma disputa de poder e nesta disputa tem apenas famílias querendo morar e sustentar seus filhos.
[Já a] Cracolândia, é arte. É arte, e pra você que sobe o vidro [do carro] ou atravessa a rua pra mostrar o seu desdenho: sobe o vidro mesmo, atravessa a rua mesmo que nós é (sic) demais pra vocês, mano, vocês não aguentam encarar a realidade de frente. Nego Bala em entrevista ao TOCA UOL
A história de Nego Bala
Nego Bala cresceu e morou na Boca do Lixo, região da Luz e berço da pornochanchada. Ele chegou a ser apreendido pela primeira vez aos 11 anos, enquanto vendia drogas naquele entorno. " A Boca do Lixo era o reduto do cinema, da música brasileira, a gente tinha os bares aqui repleto de artistas trocando informação, trocando cultura".

O artista explica que o nome se originou graças ao lixo gerado de filmes negativos de gravadoras: "Porque tinha os negativos da Paramount, da Warner, das grandes gravadoras de filme que ficava aqui [no] lixo e aí nesse lixo de negativos, de filmes negativos, ia lá os artistas que não tinham acesso a esse material e fazia o filme deles a partir desses negativos".
Nego Bala lançou seu primeiro álbum "Da Boca Do Lixo" no final de 2021. Lançamento ocorreu com o curta-metragem "Sonho", música que conta com a participação de Elza Soares. Só no seu canal no YouTube, são 87 mil visualizações.
A vida de Nego Bala foi transformada pela arte no contexto que ele vivia: "[Boca do Lixo] era visto como um lugar sem esperança, [e que ao mesmo tempo] trouxe esperança na história de um moleque. Eu tenho certeza que eu não seria quem eu sou hoje sem o que eu passei.
Principalmente aqui. A minha quebrada, a minha região, com todos os percalços, me acolheu, me ensinou a lidar com o meu ódio, me ensinou a amar, a respeitar minha raiva e momentos de alegria. Nego Bala
A influência da música veio dos familiares: o pai — que também é artista —, o avô e a mãe, que morreu quando ele tinha um ano de idade, mas que, apesar do vício de crack, também deixou gostos musicais quando era pequeno.
Sendo um dos artistas mais jovens a gravar com Elza Soares, a música "Sonho" foi lançada apenas dois meses antes dela morrer, em janeiro de 2022. Nego Bala não esconde a alegria de ter um trabalho de estreia desse porte e se emociona ao falar do encontro dos dois.

A Elza é essa potência. Pra mim ela sempre foi uma entidade em vida ali, uma deusa mesmo que me motivou. Conheci ela através da minha mãe. Tenho certeza que as duas estão juntas agora. A Elza ter aceitado cantar na [música] 'Sonho' foi inarrável (...) E aí quando eu vi a voz dela mesmo no som, um som que eu fiz na Febem, com 12 anos de idade, um som que quando eu fiz eu não imaginava a proporção que ela ia ganhar, as vidas que ela ia ajudar, como me ajudou. Nego Bala
O primeiro contato que ele teve com Elza Soares foi ainda na pandemia e ela quis saber mais sobre o jovem: "Quando a gente se emocionou junto, todas as palavras dela, eu acho que isso daí deu mais um combustível a mais pra música chegar onde chegou".
A igualdade tá longe. A gente vai tentando buscar livros e conhecimento, eles vêm com bomba, bala letal, não é nem mais de borracha. A igualdade tá longe, mas o que a gente pode fazer é sobreviver. Sobreviver. Nego Bala
Mobilização na Favela do Moinho
O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) iniciou na terça-feira (22) a remoção da Favela do Moinho, onde Nego Bala já morou. Gestão pretende transformar o local — única favela do centro da capital — em um parque, além de criar "um polo de desenvolvimento urbano potencializado para a implantação da Estação Bom Retiro".
Nego Bala diz que a favela do Moinho é uma disputa de poder: "E nesta disputa tem apenas famílias querendo morar e sustentar seus filhos. A favela já pegou fogo, já aconteceu tanta coisa e segue há mais de 30 anos resistindo para chegar agora o governo [estadual] e querer simplesmente tirar a favela de onde ela tá".
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