Lucas Silveira fala dos altos e baixos do Fresno: 'Existia um ranço'

Com 25 anos completados no ano passado, a banda Fresno viveu altos e baixos nesse período. Em entrevista ao TOCA, Lucas Silveira, que encabeça o grupo, opina sobre a diferença do consumo fonográfico atual, a vida de produtor e impacto que sentiu com as enchentes do Rio Grande do Sul, onde fundou a banda.

As plataformas trouxeram (...) além das possibilidades de conhecer várias coisas, também conseguiram, — porque o CD, a mídia física, as lojas físicas meio que acabaram —, eles acabaram com o momento físico de se comprar um disco, de se levar pra casa, com aquela sessão de autógrafos que rolava na FNAC ou na Galeria do Rock, acabou isso. O processo de se ouvir um disco, que saiu e tu quer muito ouvir, virou uma coisa que tu faz da cama à 0h01. Lucas Silveira, em entrevista ao TOCA.

A retirada da experiência física dos fãs pelos streamings levou a banda Fresno a ser uma das pioneiras no Brasil a realizar audição prévia antes do lançamento: "É um jeito também de aproveitar o lance de rede social de fazer 3 mil pessoas falarem sobre aquilo fisicamente no mesmo dia."

Acho que a pandemia deu um 'reset' em muitas coisas, deu uma zerada para as pessoas bolaram todos os costumes de novo. Então virou normal ir em festa para ouvir disco, virou normal ter festa emo assim, e virou normal também uma banda lançar um disco e tocar ele inteiro. Lucas Silveira

Os integrantes do Fresno recebem o prêmio de Artista do Ano no VMB 2009
Os integrantes do Fresno recebem o prêmio de Artista do Ano no VMB 2009 Imagem: Flávio Florido/UOL

O começo de tudo

Fresno nasceu em 1999 em um contexto de Porto Alegre com influência significativa dos punk rock: "A gente chamava punk xixi. Acho que mais precisamente em Canoas, lugar onde o punk rock teve a maior aceitação no planeta Terra. Mais do que Ramones em Nova York."

A ida para São Paulo ocorreu quando os integrantes viram que não valia mais a pena pagar passagem para a ponte aérea Porto Alegre-São Paulo. "A gente viajava toda semana", explica.

Em 2004, eles tinham um empresário de Porto Alegre, o Lelê. Ele foi o responsável por "fazer a banda ser ouvida": "O Lelê abriu umas portas de rádio. No Rio Grande do Sul a gente tava virando uma coisa mainstream porque tocar na Atlântida era o que bastava para tu ser bastante conhecido".

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Mas o Lelê fez uma coisa muito importante que é falar tanto para os caras da MTV, quanto para os caras dessas rádios que 'isso aqui é um negócio sério, cara. Não é uma piazada'. Quer dizer, é uma piazada, é meio mal feito, mas assim, as pessoas estão pirando nisso aqui. Alguém ali da galera que o Lelê tava lidando aqui em São Paulo, falou assim, 'vocês precisam morar perto da MTV'. Esse é o único critério. Lucas Silveira

Papel da MTV é reconhecido por Lucas: "[A gente] era um novo fenômeno de molecada, e a MTV sempre atrás do que a molecada estava ouvindo. Então foi a primeira banda, foi o primeiro lugar de TV que levou [a gente] a sério".

A banda Fresno em sua formação atual
A banda Fresno em sua formação atual Imagem: Camila Cornelsen / divulgação

A vida de produtor e parcerias

Além de vocalista da Fresno, Silveira também é produtor e já trabalhou com grandes nomes da música brasileira: "O que eu acho mais surreal foi [quando trabalhei com] o Chitãozinho e Xororó. Foi em 2008. Eu tinha assinado lá com o [Rick] Bonadio. Aí eu lembro da Ana Butler, que era a máxima do MTV."

A Fresno teve projeto com a dupla sertaneja produzido por Carlos Eduardo Miranda, músico e produtor brasileiro que morreu em 2018: "Eu já amava ele. (...) Eu briso nas pessoas que enxergavam uma coisa na gente."

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Lucas lembra que, muitos dos "haters" da Fresno, nem possuem motivação específica para avaliar o trabalho do grupo como "ruim": "Existia um ranço de muita gente, um ranço que muitas pessoas herdaram. Não era nem um ranço que a pessoa desenvolveu de ouvir falar mal. Era um negócio que começou a virar meio legal falar mal, [como as] pessoas falando assim, sei lá, de funk ou de trap."

O trabalho com Chitãozinho e Xororó quase virou turnê: "A gente tocou com eles, ficamos muito amigos nessa época aí. Foi um grandíssimo sucesso. Por uma incompetência/preguiça dos escritórios [que nos representavam] não rolou a famigerada turnê Fresno e Chitãozinho e Xororó. Porque demanda existia. Era um show que ia pai e filho juntos. Talvez teria feito a gente pular mil etapas [em reconhecimento]."

O artista lembra parcerias com Lenine e Emicida, e também com Caetano Veloso no disco de 2016: "[Essa produção] coincide também com uma fase que nesses altos e baixos da banda, eu acho que foi o baixo mais baixo, foi um disco que se chama 'A Sinfonia de Tudo que Há'. Hoje o fã médio da banda fala 'o melhor disco, vocês não tocam nenhuma música dessa época'. Mas na época a galera nem ouviu".

Chitãozinho & Xororó cantam com Lucas no Festival Turá, em 2024
Chitãozinho & Xororó cantam com Lucas no Festival Turá, em 2024 Imagem: Van Campos/AgNews

Ajuda nas chuvas do RS

Na entrevista, Lucas Silveira também falou sobre live que abriu após ver o estado do Rio Grande do Sul sofrer com as fortes chuvas e enchentes no primeiro semestre do ano passado: "Abrimos uma live com toda a estrutura gigante de um estúdio de televisão", lembra.

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Transmissão contou com arrecadação de dinheiro para os afetados. Valor superou as expectativas: "[Pensei] mas vai levantar o quê? 50 mil reais? (...) Acabou que a gente arrecadou R$ 2,5 milhões. Fizeram a ponte para o Kwai e eles mandaram um pix de R$ 1 milhão. Ali eu senti que a galera confiava na gente. Tanto que a banda parou por dois meses para escoar esse dinheiro."

Mobilização foi reconhecida e mostrou outra face do artista com o senso de união: "Essa coisa de construir uma comunidade, de estar lá. Da pessoa entender que tu é mais que as músicas que escreveu e que tem outros meios do artista ser artista. Da galera te colocar em uma posição de 'chama o cara lá que ele vai fazer isso aí e vai ser legal'."

Fizemos a mesma live em Porto Alegre com artistas de lá, juntamos todos artistas gaúchos que a gente conhecia, rolou 5 horas de música. E a campanha de desinformação na época foi muito pesada, um monte de influencer querendo causar mais desespero. Dentro dessa horrorosidade toda, pensei 'caramba, a galera tá passando saco de comida e ninguém tá nem aí para o partido político'. Foi um evento merd** que uniu as pessoas de novo. Ninguém merece o que aconteceu. Lucas Silveira, da banda Fresno

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