'Abençoada e amaldiçoada': banda cult Tindersticks fará estreia no Brasil

"Somos uma banda ao mesmo tempo abençoada e amaldiçoada". Em poucas palavras, o multi-instrumentista e vocalista Stuart Staples define como se desenrolou a trajetória de sua banda, Tindersticks, que se apresenta pela primeira vez no Brasil em abril.
Conheça o Tindersticks
Criado no início dos anos 1990 em Nottingham (Inglaterra), o Tindersticks faz uma música de atmosfera muitas vezes melancólica, com melodias sinuosas acompanhadas pela voz de barítono de Staples. É uma música bem diferente do que entendemos como rock and roll e, até por isso, o Tindersticks sempre caminhou solitariamente. Não havia, naquela época, outras bandas com sonoridade parecida para agrupá-las em uma cena.
O tipo de som do Tindersticks parece criar um elo entre Leonard Cohen, John Cale e Nick Cave e nomes mais novos, como Rufus Wainwright, Perfume Genius, The Last Dinner Party, Bat for Lashes. Essa singularidade sonora, para o vocalista, pode atrair fiéis e abnegados fãs para a banda —mas também pode fazer com que ela não obtenha o impulso necessário para alcançar grande popularidade.
Talvez exatamente por ser um artista cult, mas sem muitos holofotes sobre si, que esta banda com tantos anos de vida e 14 discos de estúdio (o mais recente, "Soft Tissue", lançado há alguns meses) nunca tenha vindo ao Brasil. Essa lacuna será preenchida em 16 de abril: o grupo fará uma apresentação (única no Brasil) no auditório Simón Bolívar, no Memorial da América Latina, em São Paulo.
Em entrevista, Staples falou sobre como será o show e contou como a música pop pode estar se distanciando da classe trabalhadora. Leia a seguir.
O que ele disse
Esta será a primeira vez do Tindersticks no Brasil. Por que demorou tanto tempo para virem para cá? Já tinham recebido algum convite?
Stuart Staples - Sim, mas nunca deu para sincronizar com a agenda da banda. Agora deu certo, felizmente. Faz tempo que queríamos fazer esse show aí.
Pode contar como será o show no Brasil? Devem tocar faixas de quais discos?
Staples - Sair em turnê tem a ver com mostrar o que você está tocando no momento. Quando a gente passa cerca de um ano compondo e gravando, queremos mostrar essas músicas para as pessoas. O coração do show será de coisas mais recentes, mas sempre encontramos jeitos de incluir músicas do passado.
Na verdade ainda não sei como será o show, porque vai ser uma experiência inédita para a gente. A banda é apenas metade dessa história (a outra metade é o público), vamos ver como as pessoas reagem ao show. Juntos nós criamos uma atmosfera, vamos ver como será. Stuart Staples

O som de vocês é bastante particular, característico. De onde veio a inspiração para criar as músicas daqueles primeiros discos (os dois álbuns, homônimos, são de 1993 e 1995)?
Staples - Quando eu olho para o nosso primeiro disco, consigo ouvir todas as influências que tivemos! Já em relação aos discos mais recentes, isso não ocorre. Nós fizemos o primeiro disco como um álbum duplo, porque não sabíamos se conseguiríamos fazer outro disco. Então é um álbum longo, em que queríamos dizer: 'É isso o que somos, esta é a nossa música, é nisso que acreditamos'. Então queríamos colocar tudo ali.
Aquele disco é como o resultado da soma de dez anos de experiências que tivemos em outras bandas, quando não tínhamos fãs nem dinheiro, mas éramos dedicados à música. É um disco que mostra de onde viemos.
Eu, David (Boulter; tecladista) e Neil (Fraser; guitarrista) somos da mesma cidade, Nottingham. Nos conhecemos quando tínhamos uns 15 anos, e a música era o único escape que tínhamos. Stuart Staples
Como era a vida de vocês naquela época?
Staples - Éramos de famílias da classe trabalhadora. Naquela época, para jovens como nós, de Nottingham, que estudavam em escola pública, a vida já estava praticamente traçada. Não havia muito jeito de fugir daquilo, de sair daquele roteiro. Eu não conhecia ninguém que tivesse ido a uma faculdade como Oxford. A música nos deu uma chance de sonhar, de escapar da realidade em que estávamos. Alimentou a imaginação de que poderíamos voar para outros lugares.
Vocês vieram de famílias da classe trabalhadora. Como vê o cenário da música hoje, especialmente aí no Reino Unido e na Europa? Acha que jovens da classe trabalhadora têm o espaço que deveriam?
Staples - Na Inglaterra, e em particular no norte da Inglaterra, a música é muito importante culturalmente. Antigamente tivemos os Beatles, e talvez o Oasis seja a última grande banda que verdadeiramente saiu da classe trabalhadora na Inglaterra.
Naquela época, final dos anos 1980, começo dos anos 1990, a música era o único jeito de escaparmos... Olhando para trás, acho que dei sorte. Havia bandas e cantores que eu ouvia, gente como Ian Curtis (do Joy Division), Marc Almond (Soft Cell), Kevin Rowland (Dexys Midnight Runners), Terry Hall (The Specials), enfim, pessoas que poderiam ter ido à mesma escola que eu. Eram pessoas que pareciam comigo e que, em algum momento, tiveram a chance de expressar quem eram e criaram um novo tipo de música. Essas pessoas conseguiram inspirar jovens como eu, e isso é algo muito empolgante.
Se falarmos sobre atores, roteiristas, gente de teatro e da música, acho que sim, essas coisas estão ficando cada vez mais longe da classe trabalhadora. Isso em relação à Inglaterra, não sei como é no Brasil. Aqui, os músicos são 'educados a serem músicos'.
As pessoas que me inspiraram não tiveram educação formal em música. Tinha a ver com encontrar o seu jeito, entender o que a música significa para você, pegar uma guitarra e colocar para fora o que você sente. Era diferente de como é hoje. E, antigamente, havia uma ajuda maior do estado, que te dava alguns benefícios que ajudaram muitas pessoas como eu a se dedicarem à música. Mas hoje esses benefícios quase não existem mais. Stuart Staples

Vocês nunca fizeram parte de nenhuma cena, são uma banda diferente das que vemos no rock. Essa singularidade mais beneficia ou atrapalha uma banda para se tornar popular?
Staples - Para a nossa banda, parece que fomos abençoados e amaldiçoados ao mesmo tempo. Acho que qualquer pessoa que se propõe a fazer algo minimamente a sério tenta encontrar a própria voz. Depois de tantos anos, ainda estamos procurando a nossa voz, a nossa linguagem na música. É algo que nunca chega ao fim, mas você sempre está procurando aquilo.
Uma banda tem as suas influências, mas ela quer se afastar dessas influências, ou absorvê-las de um jeito que elas continuarão com você, mas não na superfície da música...
Tenho amigos músicos que se tornaram bem-sucedidos. Não tenho inveja desse sucesso. Talvez isso não te ajude a ir para a frente, a explorar novas coisas. Claro, até gostaria que a banda fosse mais bem-sucedida, porque nos ajudaria a ter uma vida melhor, mas sobrevivemos depois de tantos anos. Não apenas sobrevivemos, mas continuamos empolgados com o que está por vir, com as ideias que temos na mente, em como vamos explorá-las. Para mim, isso é uma medida de sucesso. Stuart Staples
Você está na música há muito tempo, já lançou dezenas de discos, fez incontáveis shows. Ainda é fácil ter inspiração para compor?
Staples - Depende, porque a inspiração não é algo que a gente consegue prever. Em 2018, fiz a trilha de "High Life", (filme) da Claire Denis, foi um trabalho grande para mim, e no final daquele ano pensei "nossa, compus apenas uma letra de música neste ano" (a trilha é quase toda instrumental, apenas a faixa "Willow", com participação de Robert Pattinson, tem vocal).
A inspiração não segue uma trajetória linear. Nos últimos meses, passei por quatro situações que me deram ideias que quero aprofundar. Não consigo sentar na mesa e pensar: 'Agora vou escrever uma música'. A inspiração aparece em um momento e eu tento fazer algo com aquilo. Stuart Staples
Você fez a trilha de diversos filmes da Claire Denis. É muito complicado fazer composições para filmes? É algo do qual você gosta?
Staples - Adoro trabalhar com a Claire. Eu acredito na Claire. Ela é uma diretora que me inspira muito de muitos jeitos. É um trabalho colaborativo. Ela não chega para mim com um roteiro e uma cena e pede para eu fazer uma música. Nós conversamos bastante, ela me fala sobre as filmagens e aí a trilha começa a ser feita.
Tem alguém, uma banda com quem você gostaria de colaborar?
Staples - Quando componho duetos, sempre tenho alguém em mente, ou alguma inspiração. Mas desde que perdemos Lhasa de Sela [cantora americana que participa das faixas "Sometimes It Hurts", do álbum "Waiting for the Moon", de 2003, e "Hey Lucinda", lançada após a morte dela no disco "The Waiting Room", de 2016; Lhasa morreu em 2010], uma grande amiga e grande cantora, alguém com quem era muito fácil colaborar, desde então ficou bem mais difícil escrever duetos para colaborações.
Tindersticks
Quando: quarta (16/4), às 20h30
Onde: auditório Simón Bolívar, Memorial da América Latina (av. Mário de Andrade, 664, São Paulo)
Quanto: a partir de R$ 180
Classificação: 18 anos
Ingressos à venda pelo site da Zig.
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