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'Abençoada e amaldiçoada': banda cult Tindersticks fará estreia no Brasil

Stuart Staples, do grupo inglês Tindersticks, que se apresenta em São Paulo em 16 de abril Imagem: Atilano Garcia/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Thiago Ney

Colaboração para Toca, em São Paulo

21/01/2025 05h30

"Somos uma banda ao mesmo tempo abençoada e amaldiçoada". Em poucas palavras, o multi-instrumentista e vocalista Stuart Staples define como se desenrolou a trajetória de sua banda, Tindersticks, que se apresenta pela primeira vez no Brasil em abril.

Conheça o Tindersticks

Criado no início dos anos 1990 em Nottingham (Inglaterra), o Tindersticks faz uma música de atmosfera muitas vezes melancólica, com melodias sinuosas acompanhadas pela voz de barítono de Staples. É uma música bem diferente do que entendemos como rock and roll e, até por isso, o Tindersticks sempre caminhou solitariamente. Não havia, naquela época, outras bandas com sonoridade parecida para agrupá-las em uma cena.

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O tipo de som do Tindersticks parece criar um elo entre Leonard Cohen, John Cale e Nick Cave e nomes mais novos, como Rufus Wainwright, Perfume Genius, The Last Dinner Party, Bat for Lashes. Essa singularidade sonora, para o vocalista, pode atrair fiéis e abnegados fãs para a banda —mas também pode fazer com que ela não obtenha o impulso necessário para alcançar grande popularidade.

Talvez exatamente por ser um artista cult, mas sem muitos holofotes sobre si, que esta banda com tantos anos de vida e 14 discos de estúdio (o mais recente, "Soft Tissue", lançado há alguns meses) nunca tenha vindo ao Brasil. Essa lacuna será preenchida em 16 de abril: o grupo fará uma apresentação (única no Brasil) no auditório Simón Bolívar, no Memorial da América Latina, em São Paulo.

Em entrevista, Staples falou sobre como será o show e contou como a música pop pode estar se distanciando da classe trabalhadora. Leia a seguir.

O que ele disse

Esta será a primeira vez do Tindersticks no Brasil. Por que demorou tanto tempo para virem para cá? Já tinham recebido algum convite?

Stuart Staples - Sim, mas nunca deu para sincronizar com a agenda da banda. Agora deu certo, felizmente. Faz tempo que queríamos fazer esse show aí.

Pode contar como será o show no Brasil? Devem tocar faixas de quais discos?

Staples - Sair em turnê tem a ver com mostrar o que você está tocando no momento. Quando a gente passa cerca de um ano compondo e gravando, queremos mostrar essas músicas para as pessoas. O coração do show será de coisas mais recentes, mas sempre encontramos jeitos de incluir músicas do passado.

Na verdade ainda não sei como será o show, porque vai ser uma experiência inédita para a gente. A banda é apenas metade dessa história (a outra metade é o público), vamos ver como as pessoas reagem ao show. Juntos nós criamos uma atmosfera, vamos ver como será. Stuart Staples

Os cultuados álbuns do Tindersticks lançados em 1993 e 1995 Imagem: Reprodução

O som de vocês é bastante particular, característico. De onde veio a inspiração para criar as músicas daqueles primeiros discos (os dois álbuns, homônimos, são de 1993 e 1995)?

Staples - Quando eu olho para o nosso primeiro disco, consigo ouvir todas as influências que tivemos! Já em relação aos discos mais recentes, isso não ocorre. Nós fizemos o primeiro disco como um álbum duplo, porque não sabíamos se conseguiríamos fazer outro disco. Então é um álbum longo, em que queríamos dizer: 'É isso o que somos, esta é a nossa música, é nisso que acreditamos'. Então queríamos colocar tudo ali.

Aquele disco é como o resultado da soma de dez anos de experiências que tivemos em outras bandas, quando não tínhamos fãs nem dinheiro, mas éramos dedicados à música. É um disco que mostra de onde viemos.

Eu, David (Boulter; tecladista) e Neil (Fraser; guitarrista) somos da mesma cidade, Nottingham. Nos conhecemos quando tínhamos uns 15 anos, e a música era o único escape que tínhamos. Stuart Staples

Como era a vida de vocês naquela época?

Staples - Éramos de famílias da classe trabalhadora. Naquela época, para jovens como nós, de Nottingham, que estudavam em escola pública, a vida já estava praticamente traçada. Não havia muito jeito de fugir daquilo, de sair daquele roteiro. Eu não conhecia ninguém que tivesse ido a uma faculdade como Oxford. A música nos deu uma chance de sonhar, de escapar da realidade em que estávamos. Alimentou a imaginação de que poderíamos voar para outros lugares.

Vocês vieram de famílias da classe trabalhadora. Como vê o cenário da música hoje, especialmente aí no Reino Unido e na Europa? Acha que jovens da classe trabalhadora têm o espaço que deveriam?

Staples - Na Inglaterra, e em particular no norte da Inglaterra, a música é muito importante culturalmente. Antigamente tivemos os Beatles, e talvez o Oasis seja a última grande banda que verdadeiramente saiu da classe trabalhadora na Inglaterra.

Naquela época, final dos anos 1980, começo dos anos 1990, a música era o único jeito de escaparmos... Olhando para trás, acho que dei sorte. Havia bandas e cantores que eu ouvia, gente como Ian Curtis (do Joy Division), Marc Almond (Soft Cell), Kevin Rowland (Dexys Midnight Runners), Terry Hall (The Specials), enfim, pessoas que poderiam ter ido à mesma escola que eu. Eram pessoas que pareciam comigo e que, em algum momento, tiveram a chance de expressar quem eram e criaram um novo tipo de música. Essas pessoas conseguiram inspirar jovens como eu, e isso é algo muito empolgante.

Se falarmos sobre atores, roteiristas, gente de teatro e da música, acho que sim, essas coisas estão ficando cada vez mais longe da classe trabalhadora. Isso em relação à Inglaterra, não sei como é no Brasil. Aqui, os músicos são 'educados a serem músicos'.

As pessoas que me inspiraram não tiveram educação formal em música. Tinha a ver com encontrar o seu jeito, entender o que a música significa para você, pegar uma guitarra e colocar para fora o que você sente. Era diferente de como é hoje. E, antigamente, havia uma ajuda maior do estado, que te dava alguns benefícios que ajudaram muitas pessoas como eu a se dedicarem à música. Mas hoje esses benefícios quase não existem mais. Stuart Staples

Tindersticks: a partir da esq., o tecladista David Boulter, Stuart Staples e o guitarrista e Neil Fraser Imagem: Jordi Vidal/Redferns

Vocês nunca fizeram parte de nenhuma cena, são uma banda diferente das que vemos no rock. Essa singularidade mais beneficia ou atrapalha uma banda para se tornar popular?

Staples - Para a nossa banda, parece que fomos abençoados e amaldiçoados ao mesmo tempo. Acho que qualquer pessoa que se propõe a fazer algo minimamente a sério tenta encontrar a própria voz. Depois de tantos anos, ainda estamos procurando a nossa voz, a nossa linguagem na música. É algo que nunca chega ao fim, mas você sempre está procurando aquilo.

Uma banda tem as suas influências, mas ela quer se afastar dessas influências, ou absorvê-las de um jeito que elas continuarão com você, mas não na superfície da música...

Tenho amigos músicos que se tornaram bem-sucedidos. Não tenho inveja desse sucesso. Talvez isso não te ajude a ir para a frente, a explorar novas coisas. Claro, até gostaria que a banda fosse mais bem-sucedida, porque nos ajudaria a ter uma vida melhor, mas sobrevivemos depois de tantos anos. Não apenas sobrevivemos, mas continuamos empolgados com o que está por vir, com as ideias que temos na mente, em como vamos explorá-las. Para mim, isso é uma medida de sucesso. Stuart Staples

Você está na música há muito tempo, já lançou dezenas de discos, fez incontáveis shows. Ainda é fácil ter inspiração para compor?

Staples - Depende, porque a inspiração não é algo que a gente consegue prever. Em 2018, fiz a trilha de "High Life", (filme) da Claire Denis, foi um trabalho grande para mim, e no final daquele ano pensei "nossa, compus apenas uma letra de música neste ano" (a trilha é quase toda instrumental, apenas a faixa "Willow", com participação de Robert Pattinson, tem vocal).

A inspiração não segue uma trajetória linear. Nos últimos meses, passei por quatro situações que me deram ideias que quero aprofundar. Não consigo sentar na mesa e pensar: 'Agora vou escrever uma música'. A inspiração aparece em um momento e eu tento fazer algo com aquilo. Stuart Staples

Você fez a trilha de diversos filmes da Claire Denis. É muito complicado fazer composições para filmes? É algo do qual você gosta?

Staples - Adoro trabalhar com a Claire. Eu acredito na Claire. Ela é uma diretora que me inspira muito de muitos jeitos. É um trabalho colaborativo. Ela não chega para mim com um roteiro e uma cena e pede para eu fazer uma música. Nós conversamos bastante, ela me fala sobre as filmagens e aí a trilha começa a ser feita.

Tem alguém, uma banda com quem você gostaria de colaborar?

Staples - Quando componho duetos, sempre tenho alguém em mente, ou alguma inspiração. Mas desde que perdemos Lhasa de Sela [cantora americana que participa das faixas "Sometimes It Hurts", do álbum "Waiting for the Moon", de 2003, e "Hey Lucinda", lançada após a morte dela no disco "The Waiting Room", de 2016; Lhasa morreu em 2010], uma grande amiga e grande cantora, alguém com quem era muito fácil colaborar, desde então ficou bem mais difícil escrever duetos para colaborações.

Tindersticks

Quando: quarta (16/4), às 20h30
Onde: auditório Simón Bolívar, Memorial da América Latina (av. Mário de Andrade, 664, São Paulo)
Quanto: a partir de R$ 180
Classificação: 18 anos
Ingressos à venda pelo site da Zig.

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