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Drones orientam sobre covid, mas podem gerar aglomerações pela curiosidade

Daniel Dieb

Colaboração para Tilt

23/04/2020 04h00Atualizada em 27/07/2020 11h27

Resumo da notícia

  • São Paulo, Rio, Recife e Porto Alegre usam drones para evitar disseminação do coronavírus
  • No Rio, "drone falante" atraiu curiosos e causou aglomeração
  • Em Recife, drone com câmera termal detecta temperatura média do espaço filmado
  • Cidades colocaram aeronaves em funções de vigilância e limpeza

Um drone com alto-falante vigia e alerta quem está nas ruas sem máscara, por causa da epidemia do coronavírus. Essa cena viralizou em fevereiro na China e parecia distante de acontecer no Brasil. Passados quase dois meses, ela já encontra zumbidos semelhantes por aqui.

São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre estão usando drones para monitorar centros comerciais, dispersar aglomerações e limpar espaços públicos. Mas por ser uma novidade, o recurso ainda gera curiosidade nas pessoas e gera o efeito inverso do seu objetivo.

Foi o que aconteceu no Rio de Janeiro, em uma situação parecida com a da China. Drones do IplanRio (Empresa Municipal de Informática) sobrevoaram aglomerações de pessoas com alto-falantes, que emitem mensagens pedindo para que as pessoas sigam a orientação de distanciamento social.

No primeiro teste, realizado na sexta (16) em Campo Grande, zona oeste do Rio de Janeiro, pessoas se juntaram para filmar e acompanhar a operação.

Em nota à reportagem, a Secretaria Municipal de Ordem Pública explicou que o drone voou mais baixo do que o normal para atender às emissoras de TV presentes e, por isso, atraiu a atenção dos cidadãos.

Nas próximas ações, ele deverá permanecer entre 30 e 60 metros de distância do solo e, caso necessário, descerá a uma altura de 10 a 15 metros para emitir o aviso sonoro.

A baixa altura é permitida quando a operação é conduzida por órgãos de governo. Quando o voo é recreativo, o piloto deve manter ao menos 30 metros de distância em relação a pessoas, animais, veículos e construções.

Os drones podem voar mais baixo desde que se enquadrem no princípio de sombra, área que não há tráfego aéreo e não é legislada pelo Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo). Nesse espaço, determinado pelo raio de 30 metros e seis metros de altura a mais em relação ao ponto mais alto da mesma estrutura, o voo deve ser autorizado pelo responsável do local.

Drone filma regiões de São Paulo para monitorar quarentena do coronavírus

No Rio, o local de voo dos drones é escolhido a partir de denúncias que chegam ao Disk Aglomeração, de dados de localização colhidos em celulares da TIM e de imagens registradas pelas câmeras de segurança pública. Os próprios drones captam e transmitem imagens em tempo real para o Gabinete de Crise da Prefeitura e para o Centro de Operações.

No resto do Brasil

Na região metropolitana do Recife, o procedimento é parecido com o do Rio. Por meio de denúncias feitas ao Centro Integrado de Operações de Defesa Social (Ciods) e informações do índice do isolamento social, a Polícia Militar de Pernambuco manda uma equipe com um drone fazer imagens nos locais com mais movimentação.

"No começo elas [as pessoas] estranhavam o drone, mas hoje só a presença dele já inibe aglomerações", diz o Coronel Luciano Nunes, diretor do Ciods.

Parte das ações com os drones é fruto de parceria com o Instituto para Redução de Riscos e Desastres de Pernambuco (IRRD-PE), formado por pesquisadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do laboratório de imunopatologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) com a HealthDrones, que opera as aeronaves.

Ernande Pereira, coordenador do IRRD e professor e pesquisador da UFRPE, fala que o objetivo é fazer o registro da temperatura em todos os bairros e região metropolitana —os drones recifenses são equipados com uma câmera termal.

No momento, a prioridade é de bairros com grande quantidade de casos, como em Boa Viagem, lugares onde se instalam feiras-livres e próximos a supermercados.

As câmeras com infravermelho, outro nome para as termais, costumam ser usadas para medir a temperatura e a variação dela em determinada superfície. Mas, os usos mudam de acordo com o objetivo. No caso do Recife, a intenção é de traçar um panorama geral da temperatura de um determinado local para que as autoridades saibam onde agir.

"A partir dessa visão holística da cidade de Recife e região metropolitana, eles [as autoridades] vão poder direcionar melhor as ações diretivas para minimizar a contaminação pela covid-19", diz.

Em São Paulo, desde o final de março a prefeitura usa drones para monitorar lugares de comércio intenso ou em que ainda há fluxo de pessoas. Sobrevoam áreas como Brás, José Paulino, Santa Ifigênia e 25 de Março e informam a secretaria de Segurança Urbana e a subprefeitura do local sobre lojas abertas ou aglomerações.

As ações são abordagens para fechar comércio ou dispersar as multidões. Elas foram mais frequentes nos últimos dias na Santa Ifigênia e 25 de Março, de acordo com Richard Mariano, diretor da Divisão de Tecnologias Geoespaciais. "Houve mais aglomeração. Eles não chegaram a abrir o comércio, foi mais uma pressão para abrir", diz.

Esse tipo de fiscalização pode acontecer em qualquer local da cidade, mas a frequência é maior nas chamadas "áreas críticas". Duas vezes ao dia, passa uma ronda de drones por elas, que envolve, além das já citadas, a região próxima à Luz por onde o fluxo da cracolândia passa.

Em vez da vigilância, Porto Alegre adaptou a técnica de pulverização por drones em plantações para a limpeza de ruas, avenidas e praças. Em parceria com a UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e a empresa SkyDrones, a prefeitura fez na quinta (16) o segundo teste de desinfecção de espaços públicos via drones.

O objetivo é ter um procedimento de desinfecção rápido e seguro de áreas pavimentadas em que haja um grande fluxo de pessoas durante o dia. Segundo Nádya Silveira, professora e pesquisadora do Instituto de Química da UFRGS que trabalha no projeto, a aplicação ocorre quando não há movimento, para evitar que as pessoas tenham contato com o desinfetante.

Nádya explica que drones para desinfetar espaço público requerem uso por peritos. "Estamos trabalhando com produtos autorizados pela Anvisa, apenas melhorando o direcionamento do produto", diz.

A prática pode se tornar regular, mas é necessário testá-la ao menos mais uma vez. Isso porque o vento pode dispersar o desinfetante para além da área em que ele é aplicado. É um problema, mas pequeno e é factível.

No caso do drone para covid, é preciso melhorar o jato de gotículas e dar mais densidade a elas para que saiam em direção ao solo e fiquem lá.

Todas essas experiências são recentes e podem trazer problemas sendo aplicadas em momento de crise, diz Onicio Neto, pesquisador de pós-doutorado do departamento da Universidade de Zürich e PhD em saúde pública pela Fiocruz. Ele lembra que são protótipos não validados e que podem não dar o resultado esperado.

"Pode atrapalhar a adoção quando a tecnologia for de fato eficiente. Tem que evitar que a tecnologia gere uma frustração que impeça a adesão no futuro", argumenta.

Há precedentes de drones usados em ações de saúde pública e epidemia. No Maláui, a Unicef e o governo local os usaram em um corredor humanitário de testes na cidade de Kasungu, em 2017. Os drones são usados para levar remédios, pegar exames, devolver resultados e mapear zonas de risco de cólera. Em janeiro, foi aberta a Adda (Academia de Drones e Dados), que espera formar, até 2021, 150 estudantes que consigam criar e controlar drones.

No Brasil, eles são usados para encontrar focos de água parada, potenciais criadouros de Aedes aegypti, o mosquito que pode transmitir dengue, zika e chikungunya.