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Como Trump, que não acredita em mudanças climáticas, lidará com os cientistas

Eric Thayer/The New York Times
Imagem: Eric Thayer/The New York Times

Philip Ball

28/12/2016 06h00

Não se passou muito tempo desde a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, mas a ciência já está sob ataque.

Mais recentemente, para horror da maioria dos cientistas, o cético em relação à mudança climática Scott Pruitt foi indicado para comandar a Agência de Proteção Ambiental. Ações como essa não são novidade. Em 2007, um comitê da Câmara dos Deputados concluiu que "o governo Bush praticou um esforço sistemático para manipular a ciência da mudança climática e enganar os autores de políticas e o público sobre os riscos do aquecimento global".

James Hansen, na época o cientista chefe da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) para o clima, observou que "em meus cerca de 30 anos de experiência no governo, nunca vi um controle como o que está ocorrendo agora". Mas a agenda do presidente George W. Bush estava dentro dos limites do que poderia ser aceitável como sendo um resultado válido do processo democrático. Não a de Trump.

Assim como uma criança que é chamada à frente da classe para defender a zombaria que vinha conduzindo do fundo da sala, Trump agora parece não saber ao certo como apresentar sua negação da mudança climática.

21.dez.2015 - O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, nomeou Scott Pruitt, cético sobre aquecimento global, para liderar a agência de meio ambiente - Nick Oxford/ Reuters - Nick Oxford/ Reuters
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, nomeou Scott Pruitt, cético sobre aquecimento global, para liderar a agência de meio ambiente
Imagem: Nick Oxford/ Reuters
Antes ele ficava feliz em alegar que a mudança climática era uma conspiração chinesa para minar os Estados Unidos, e tuitava seu desprezo pelo consenso entre os cientistas climáticas sempre que ocorria uma onda de frio. Agora ele repete o mantra evasivo sobre manter uma "mente aberta". Quem poderia se queixar disso?

Mas é como dizer que você tem uma mente aberta a respeito do formato da Terra ou sobre a evolução. É sinal transparente de negação, uma forma de evitar uma discussão que ele sabe que não vencerá. Qualquer mente genuinamente aberta reconheceria o imenso corpo de evidências que mostra que as atividades humanas estão afetando o clima global.

Nem todos os climatologistas são persuadidos, com certeza, mas o conselheiro de Trump, Bob Walker, está mentindo quando diz que "metade dos climatologistas do mundo" duvidam que a mudança climática antropogênica é real. É claro, "mentir" é uma acusação que não tem mais nenhum peso.

Walker diz que o financiamento da Divisão de Ciência da Terra da Nasa será suspensa. A pesquisa e monitoramento do clima pela Nasa é essencial e respeitada em todo o mundo. Seus satélites monitoram o dióxido de carbono na atmosfera, as temperaturas na superfície dos oceanos, cobertura de nuvens, as camadas de gelo perene, chuvas, desmatamento e uso do solo, a umidade do solo, radiação solar e mais, dados vitais para os modelos climáticos e para apontar mudanças e tendências no meio ambiente. O Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa, em Nova York, é um dos principais centros para estudos da mudança climática global. Se as ameaças de Walker se concretizarem, quanto disso sobreviverá?

O conselheiro de Trump também disse ao jornal "The Guardian" que o monitoramento ambiental é "politicamente correto" e que a ciência climática é "altamente politizada". Não tenha dúvida: trata-se de uma negação ideológica da ciência equivalente aos ataques à "ciência judaica" (como a teoria da relatividade de Einstein) na Alemanha pré-guerra e a desastrosa negação da evolução darwiniana "burguesa" pelo biólogo russo Trofim Lysenko na época de Stálin.

Isso significa que já estamos em um momento de crise. Nenhum líder da Nasa que se respeite aceitaria uma manipulação política tão descarada. Um artigo de autoria de David Luban para a "Just Security", um fórum online sobre políticas e lei de segurança nacional dos Estados Unidos, expressou o atual dilema diante dos funcionários públicos americanos. Será que moderados, mesmo aqueles de inclinação conservadora, podem servir o governo Trump em boa consciência? Luban, que diz ser normalmente escrupuloso em evitar comparações com o nazismo, cita o exemplo do advogado Bernhard Lösener, que, apesar de desaprovar Hitler, sei viu redigindo as Leis de Nuremberg. Às vezes, diz Luban, uma pessoa pode se ver entre a escolha difícil de pedir demissão ou aceitar a cumplicidade. Esse pode ser o caso aqui.

A equipe Trump pretende carimbar sua marca de ignorância bruta e intolerância na ciência. Reclamação e desalento não bastam. Uma Nasa privada de seu papel na ciência climática para fins políticos não é uma da qual os cientistas devem participar.

(Philip Ball é um escritor de ciências.)