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Já viu rato transparente? Inventaram um jeito de ver o bicho por dentro sem cortar

Os camundongos foram marcados com proteína especial fluorescente para fazer brilhar determinadas partes de sua anatomia - Ali Erturk/NYT
Os camundongos foram marcados com proteína especial fluorescente para fazer brilhar determinadas partes de sua anatomia Imagem: Ali Erturk/NYT

Nicholas St. Fleur

27/08/2016 06h00

Neurocientistas desenvolveram uma maneira de tornar transparente um rato inteiro, incluindo músculos e órgãos internos, enquanto iluminam as vias nervosas que correm por seu corpo. A técnica foi publicada no periódico científico "Nature Methods".

Chamado uDisco, o processo oferece uma forma alternativa para os pesquisadores estudarem o sistema nervoso de um organismo sem ter de fatiar seus órgãos ou tecidos.

Isso permite que usem um microscópio para acompanhar neurônios do cérebro e da coluna vertebral do roedor até os dedos das patas dianteiras e traseiras.

"Quando vi as imagens no microscópio que meus estudantes estavam obtendo, fiquei impressionado. Podemos mapear toda a conectividade neural do rato em três dimensões", diz Ali Erturk, neurocientista da Universidade Ludwig Maximilians, em Munique, e um dos autores do estudo.

A técnica só foi aplicada em ratos e camundongos, mas os cientistas acham que um dia poderia ser utilizada para mapear o cérebro humano.

Para eles, o método seria particularmente útil para estudar os efeitos de distúrbios mentais como o mal de Alzheimer e a esquizofrenia.

Erturk e colegas estudam distúrbios neurodegenerativos, e estão principalmente interessados em doenças causadas por lesões cerebrais traumáticas. Geralmente, os pesquisadores estudam essas enfermidades examinado finas fatias de tecido cerebral ao microscópio.

"Essa não é uma boa maneira de estudar os neurônios porque se você fatiar o cérebro, também corta a rede. A melhor maneira de visualizar é olhando o organismo inteiro, não somente a lesão cerebral, mas indo além dela. Precisamos ver o quadro geral", diz ele.

Para fazer isso, Erturk e equipe desenvolveram um processo em duas etapas que produz um roedor transparente e mantém os órgãos internos estruturados.

Os camundongos empregados estavam mortos e foram marcados com uma proteína especial fluorescente para fazer brilhar determinadas partes de sua anatomia.

Primeiro, mergulharam o animal em um recipiente de álcool para desidratá-lo. A água atua como um espelho e reflete a luz, então era precisar tirar esse líquido de seus músculos e tecidos. A seguir, os pesquisadores encharcaram o roedor com um solvente orgânico que dissolve suas gorduras como um detergente.

Enquanto os pesquisadores encharcavam a parte externa do animal com álcool e o solvente orgânico, simultaneamente bombearam os líquidos por seus vasos sanguíneos para também empapar a área interna. Demora cerca de quatro dias para o rato se tornar transparente.

Outro efeito da fórmula uDisco é ela encolher o cérebro do rato à metade ou um terço do tamanho original. Isso o torna pequeno e flexível o suficiente para caber debaixo do microscópio.

Erturk reconhece que o processo é simples o bastante para ser executado por qualquer cientista. Já o desafio era encontrar a combinação correta de compostos químicos – entre centenas de milhares de possibilidades – que tornasse o roedor transparente, ao mesmo tempo retendo a proteína fluorescente e mantendo a estrutura interna normal.

Essa é a primeira técnica do gênero a atender a todos esses requisitos; outros métodos tornam o organismo maior ou não retém a fluorescência.

"As aplicações desse método são incontáveis. Enquanto agora temos de preparar órgãos individuais para avaliação histopatológica, o futuro em muitos casos será usar a uDisco", afirma o Dr. Ingo Bechmann, professor de Anatomia da Universidade de Leipzig, na Alemanha, que não participou do estudo.

Matthias H. Tschop, diretor de pesquisa do Centro de Diabetes do Helmholtz Zentrum München que investiga como o sistema nervoso interage com os órgãos para controlar o metabolismo, elogiou a técnica, mas ressaltou que ela não seria utilizada em seres humanos vivos no futuro, embora talvez possa ser aplicada a cadáveres. Ele não se envolveu com o estudo.

"O fato de que a maioria dos cientistas biomédicos teria associado essa tecnologia a um filme de ficção científica e não com o trabalho diário na bancada reflete a qualidade transformadora desse avanço técnico", conclui.