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Jogos para o cérebro ajudam a evitar a demência?

Radio/The New York Times
Imagem: Radio/The New York Times

Paula Span

30/01/2016 06h00

Questões mais amplas sobre se o treinamento cognitivo funciona e para quem ainda geram debate considerável, dado que o cérebro humano muda e cresce por toda a vida, uma qualidade chamada "neuroplasticidade".

Não há qualquer evidência de que passar dez ou 15 minutos por dia, várias vezes por semana, em frente ao computador, despachando trenzinhos para estações coloridas ou lembrando os locais de quadrados em uma tabela, irá deixar a pessoa livre da demência. As afirmações de que vai melhorar o trabalho ou o desempenho da criança na escola também não foram provadas.

No último outono, mais de 70 psicólogos e neurocientistas assinaram uma declaração passada pelo Centro de Longevidade de Stanford. "Fazemos objeções à afirmação de que jogos para o cérebro oferecem aos consumidores um caminho comprovado cientificamente para reduzir ou reverter o declínio cognitivo, quando não há evidência científica convincente até agora de que isso aconteça", dizia a declaração, embora encorajasse mais pesquisas.

Um grupo de cem cientistas e especialistas rebateram com sua própria carta aberta.

Concordando que muitas empresas exageraram nas afirmações, esses pesquisadores, no entanto, argumentaram que "um corpo substancial e crescente de evidências mostra que alguns regimes de treinamento cognitivo podem melhorar significativamente a função cognitiva".

George Rebok, psicólogo do desenvolvimento da John Hopkins, assinou a segunda carta, preocupado com a possibilidade da declaração de Stanford de causar o abandono de anos de pesquisas. "Poderia quase congelar todo o campo se as pessoas concluíssem que aquilo era tudo falso", afirma ele.

Centenas de estudos publicados examinaram o treinamento cognitivo, mas muitos envolviam grupos muito pequenos de pessoas e estavam organizados de maneira que poderiam ter encorajado efeitos placebo, ao comparar grupos de controle inativos, que não fazem nada, com participantes que se tornaram interessados e motivados por seus esforços de treinamento.

Os críticos também notaram que os testes cognitivos usados para examinar o progresso dos participantes são geralmente tão parecidos com os jogos de treinamento que os investigadores podem estar "ensinando pelo teste". Eles também questionam os resultados autorrelatados das avaliações.

O que os cientistas chamam "transferência", resultados verdadeiros além do laboratório, está no centro do debate.

"Quando treinam nesses jogos por 15 ou 20 sessões, as pessoas melhoram -- nesses jogos", explica Thomas Redick, psicólogo da Universidade Purdue. A melhora geralmente se manifesta entre os pré e os pós-testes de cognição também -- um exemplo da "transferência próxima", a habilidade de fazer melhor, com a prática, tarefas parecidas.

Mas e a "transferência distante", que afeta a habilidade dos participantes de completar suas funções diárias? O treino cognitivo ajuda as pessoas a lidar com suas finanças ou a lembrar onde pararam o carro?

O Active, provavelmente o maior estudo de campo com o mais longo follow-up, sugere que efeitos prolongados são possíveis.

Seus 2.832 voluntários com cognição normal (e média de idade de 74 anos) se reúnem em pequenos grupos com facilitadores por dez sessões de treinamento em uma destas três habilidades: memória, rapidez de processamento e raciocínio.

Dez anos depois, os testes mostraram que os participantes treinados em velocidade de processamento e raciocínio ainda se saíam melhor do que o grupo de controle, embora as pessoas que treinaram a memória não. E 60 por cento dos participantes treinados, comparados com 50 por cento do grupo de controle, disseram que mantiveram ou melhoraram sua habilidade para lidar com atividades diárias como compras e finanças.

"Eles acharam que o treinamento tinha feito diferença", afirma Rebok, que foi o pesquisador principal.

Então isso é transferência distante, certo? Quando os pesquisadores administram testes que imitam as atividades diárias, como gerenciar remédios, as diferenças entre os participantes em treinamento e os do grupo de controle não atingiram mais significância estatística.

Uma análise secundária também descobriu que cinco anos depois, as pessoas que foram treinadas não tinham menor probabilidade do que aquelas no grupo de controle para desenvolver demência. Em participantes de 18 a 30 anos, Redick também descobriu transferência limitada depois do treinamento para melhor a memória de trabalho.

Quando perguntados se achavam que haviam melhorado, quase todos os participantes disseram que sim -- e muitos haviam, nos próprios exercícios de treinamento. Eles não melhoraram, no entanto, em testes de inteligência, múltiplas tarefas e outras habilidades cognitivas.

"Sou muito cético", afirma Redick sobre os treinos cognitivos computadorizados que existem hoje. "A evidência é muito clara de que não se trata de uma boa abordagem para causar as mudanças que estamos querendo."

Ainda assim, o treinamento cognitivo pode ter potencial, dizem os pesquisadores. Talvez os programas precisem simular de maneira mais próxima os desafios da vida real; talvez a dose -- o quanto as pessoas treinam -- faça diferença.