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Pesquisa salva pedaço de coral de 150 anos de incêndio em museu no Rio

Coral de 150 anos foi retirado do Museu Nacional para pesquisa e salvo do incêndio  - Divulgação
Coral de 150 anos foi retirado do Museu Nacional para pesquisa e salvo do incêndio Imagem: Divulgação

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

08/12/2018 04h00

Quando pegou uma lâmina generosa da colônia do coral Montastraea cavernosa do acervo do Museu Nacional, no Rio, o pesquisador Heitor Evangelista nem imaginava a tragédia que se abateria, semanas depois, sobre o palácio histórico, engolido pelas chamas no começo de setembro.

Com aproximadamente 150 anos, o coral foi coletado durante uma expedição do naturalista canadense Charles Hartt entre os anos de 1865 e 1876 e, segundo os pesquisadores que identificaram a peça, consiste em um meio fundamental para compreender as mudanças climáticas a partir do aumento da temperatura dos oceanos.

Clóvis Castro, professor do Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional (UFRJ), foi quem desconfiou da raridade e da importância do material, quando encontrou amostras similares durante seu mestrado nos Estados Unidos.

Coral 2 - Rogerio Von Kruger - Rogerio Von Kruger
Peça ajuda a compreender as mudanças climáticas a partir do aumento da temperatura dos oceanos
Imagem: Rogerio Von Kruger

Os corais estavam armazenados no porão do museu e não tinham origem nem datação. Castro levantou a hipótese de que a amostra remontasse à época das expedições da Comissão Geológica do Império do Brasil, da qual Hartt fez parte.

A partir daí, fragmentos da colônia foram encaminhados para a Universidade de Minnesota, nos EUA. Estudos com os elementos radioativos urânio e tório confirmaram que se tratava de uma amostra do século 19.

O raio-x feito no Hospital Universitário Pedro Ernesto, gerido pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), indicou que a colônia completa possui entre 60 e 80 bandas --ou camadas-- de crescimento. Cada camada representa um ano de crescimento do coral.

Parte do material estava em uma exposição em cartaz no Museu Nacional junto a outras espécies ameaçadas que vivem em recifes ao longo da costa brasileira. Até o dia em que aconteceu a tragédia no edifício histórico, perdendo muito do acervo.

Equipe desconhece o que foi perdido

O trabalho de resgate dos objetos históricos do Museu Nacional segue capitaneado pelos próprios pesquisadores do local e da UFRJ. Em outubro, os pesquisadores anunciaram o resgate do crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo das Américas.

Coral 3 - Divulgação - Divulgação
Raio-x mostra camadas da colônia de coral ao longo dos anos
Imagem: Divulgação

"Não sabemos o que foi perdido na exposição 'Expedição Coral: 1865-2018', pois a equipe do Museu Nacional --que está fazendo o resgate dos materiais no palácio-- ainda não explorou a área onde se encontrava a exposição", disse ao UOL a bióloga Débora Pires, professora do Museu Nacional e fundadora do Projeto Coral Vivo, coalizão de cientistas de várias universidades que depende de um patrocínio socioambiental da Petrobras desde 2006.

Além da espécie coletada por Hartt no século 19, outras pesquisas também foram salvas, segundo a professora. 

"Apesar da perda potencial de alguns poucos exemplares de coral e de outros cnidários que estavam em exposição, não há comprometimento das pesquisas sobre os corais realizadas pelo Museu Nacional e colaboradores, já que o laboratório do Setor de Celenterologia e o acervo científico da Coleção de Cnidaria do Museu Nacional ficam em outros prédios que não foram afetados pelo incêndio", diz.

Linha do tempo de 200 anos de história do oceano

A importância da preservação da colônia de corais Montastraea cavernosa é enorme. O pedaço do coral vai ajudar a observar o comportamento do oceano Atlântico no decorrer dos séculos.

"O remanescente do material provavelmente se perdeu no incêndio do museu, mas eu cortei um pedaço significativo, uma parte suficientemente grande para a pesquisa", afirmou, comemorando, o geocientista Heitor Evangelista, da Uerj. "Foi uma tragédia o que houve com o Museu Nacional, mas considero um alívio ter coletado essa amostra."

Evangelista diz que vai ser possível reconstruir os últimos 200 anos do comportamento oceanográfico. A amostra foi coletada por Hartt em Abrolhos, na região litorânea sul da Bahia, um dos maiores pontos de biodiversidade marinha e uma das áreas prioritárias do PAN Corais (Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Ambientes Coralíneos).

Coral 4 - Museu Nacional - Museu Nacional
O coral foi coletado durante uma expedição do naturalista canadense Charles Hartt entre os anos de 1865 e 1876
Imagem: Museu Nacional

A partir da pesquisa, será possível observar o quanto as mudanças climáticas influenciaram na temperatura das águas do século 19 até então.

"Um coral cresce tal como se fosse uma espécie de casca de cebola: cada casquinha corresponde a uma época, a um período do tempo", explicou o professor da Uerj.

O conjunto desses fragmentos vai permitir a criação de uma espécie de linha do tempo sobre as variações de temperatura, o que deverá contribuir no estudo do aquecimento global. A pesquisa deve ser concluída em cinco meses. 

"Abrolhos é o coral mais importante de todo o Atlântico Sul. Isso já é, por si só, uma preciosidade que traz toda a riqueza de um ecossistema, seja de corais, seja do ciclo das baleias", apontou o geocientista.

"Os corais são muito sensíveis às mudanças climáticas. Medir a temperatura da água do mar, que está em crescimento ao longo do século 20, vai trazer precisão quanto à evolução e velocidade desse aquecimento a partir desse registro do passado. Vai ser possível reconstituir os últimos 200 anos da temperatura de Abrolhos e entender como o coral está respondendo a esses processos", finalizou.