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Pesquisadores desvendam mistério de colunas incas no deserto do Atacama

Saywas no deserto do Atacama, no Chile: estruturas de pedra foram instaladas pelos incas há séculos - Pepcandela / Museo Chileno de arte pre colombino
Saywas no deserto do Atacama, no Chile: estruturas de pedra foram instaladas pelos incas há séculos Imagem: Pepcandela / Museo Chileno de arte pre colombino

Stefhanie Piovezan

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/07/2018 04h01

A historiadora Cecilia Sanhueza aguardava com ansiedade o amanhecer de 21 de março de 2017. Líder de uma equipe composta por arqueólogos, astrônomos e documentaristas, ela “cruzava os dedos” para que sua hipótese estivesse correta e que, ao surgir, o Sol se alinhasse com as estruturas de pedra remanescentes do império Inca no deserto do Atacama, no Chile. Quando o astro despontou, veio a comprovação. Um mistério havia sido solucionado.

“Foi uma emoção muito grande, o prêmio de muitos anos de trabalho, dedicação e pesquisa”, contou Sanhueza em entrevista ao Museo Chileno de Arte Precolombino, onde é pesquisadora associada.

O alinhamento demonstrou que as saywas, como são conhecidas as torres de pedra dos incas, funcionavam como uma espécie de calendário. A sombra que as estruturas de mais de 500 anos projetam ao nascer do sol permite identificar e prever eventos astronômicos.

“Seguindo a latitude, vimos onde o Sol saía no equinócio e no solstício para uma data aproximada em 1500 [época em que as estruturas devem ter sido erguidas] e essa posição coincidia com a indicada pelas saywas”, explicou o astrônomo Juan Cortés ao UOL.

Os resultados das observações compõem a pesquisa Navegantes del desierto: Cuando el cielo se inscribe en  el camino, divulgada recentemente no Festival de Ciências de Antofagasta, no Chile, e abrem caminho para novas questões. Os pesquisadores querem saber agora por que as estruturas foram edificadas tão ao sul do império, em um local despovoado e em pleno deserto.

Mencionadas há séculos

Doutora em história, Sanhueza se especializou nos estudos sobre culturas indígenas do norte do Chile e, desde 2000, pesquisa o Caminho Inca, uma trilha que conectava todo o império.

Em 2003, quando estudava uma parte desse percurso nas proximidades do rio Loa, ela se deparou com duas saywas e logo percebeu que estavam diante de algo significativo. A princípio, os dois julgaram que se tratava de uma forma de demarcar fronteiras.

A historiadora descobriu que as torres de pedra haviam sido descritas por arqueólogos em outros lugares do Caminho Inca, que classificavam as peças como indicadores de percurso.

Durante a pesquisa, encontraram-se também menções às estruturas em dicionários de quechua e aymara dos séculos 16 e 17. Esses documentos chamavam as pilhas de pedras de “saywas”. A historiadora lembrou que esse é o nome dado às colunas astronômicas em Cusco. Surgiu assim a ideia de que as saywas do Atacama poderiam ter outras funções além de demarcação.

Equipe multidisciplinar

Ela procurou os astrônomos Sergio Martín e Juan Cortés, do observatório Alma (Atacama Large  Millimeter Array), e foram feitas simulações do posicionamento do Sol usando programas de computador.

Sanhueza também contou com o conhecimento de Jimena Cruz, antropóloga e grande conhecedora da região, que organizou as expedições para observar o fenômeno.

No teste de março, os pesquisadores comprovaram o posicionamento exato dos pilares durante o equinócio de outono e pouco depois, em 21 de junho, em outra localidade, a equipe presenciou o alinhamento de duas saywas de 1,2 metro de altura no solstício de inverno.

“Martín e eu participamos da expedição de junho, e a maior dificuldade foi a baixa temperatura registrada durante o amanhecer, de cerca de - 15°C, além do forte vento”, relatou Cortés. Segundo ele, com as observações, é correto dizer que as saywas tinham função de calendário solar, mas esse provavelmente não era o único uso que se dava às estruturas.

A descoberta do calendário revela que, para os incas, o Sol tinha uma função primordial. Eles tinham um conhecimento refinado do movimento aparente do Sol ao longo do ano e o utilizavam para marcar datas importantes para sua cultura

Juan Cortés, astrônomo chileno

Para Sanhueza, a novidade mostra que o Caminho Inca é mais complexo do que se imaginava. “Não é apenas um percurso que comunica um ponto com outros mais distantes, mas também cumpre um papel simbólico e ritualístico muito importante, porque cada vez que o Sol despontava passando pelo lugar onde se encontram essas saywas devia ser realizado algum tipo de cerimonial”, disse a historiadora.