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Brasileiros mostram que teoria que nega matéria escura está errada

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

19/06/2018 04h01

Um mistério ronda as galáxias -- o da matéria escura. Físicos de todo o mundo correm por diferentes caminhos para tentar desvendá-lo: os pesquisadores da física quântica, os teóricos da força da gravidade e os estudiosos que utilizam dados de aceleradores de partículas.

E quem está mais próximo de alguma resposta? Um grupo de pesquisadores brasileiros conseguiu feito inédito ao mostrar que uma proposta célebre, a de que ajustes nas teorias da gravidade de Newton e Einstein resolveriam todo o mistério, não está correta. O estudo foi publicado na última segunda-feira (18) na revista Nature Astronomy.

A descoberta representa mais um pequeno passo para a comunidade científica entender o que de fato é essa tal de matéria escura - se é que ela existe.

De acordo com algumas correntes teóricas, a matéria escura é algo que influencia a dinâmica das galáxias, embora os cientistas e os telescópios não consigam detectar, nem explicar. Por exemplo, o movimento de gases no interior das galáxias não pode ser explicado apenas pela atração gravitacional provocada pelas estrelas ali presentes. 

Duas conclusões são possíveis ao se observar esse comportamento anômalo: ou existe uma matéria invisível diferente da matéria comum (ou seja, não são estrelas, nem planetas), quase dez vezes mais abundante que a matéria normal; ou a lei da gravidade, proposta por Isaac Newton há mais de 300 anos e refinada por Albert Einstein (com a teoria da relatividade geral) precisa ser reformulada.

Os partidários da teoria que diz que há imprecisões nas teorias clássicas da física defendem que a força da gravidade funciona de forma distinta em partes diferentes das galáxias. Ela seria mais intensa do que o previsto por Newton e Einstein em regiões onde a gravidade seria, em princípio, muito fraca.

Diversos teóricos buscam reformular as teorias gravitacionais para explicar fenômenos misteriosos observados no cosmos. Muitas delas conseguem explicar de forma simples as dinâmicas internas de galáxias. Fazem isso colocando uma constante de aceleração nova nas fórmulas gravitacionais, chamada de "aceleração fundamental".

O que fizemos foi mostrar que não existe essa aceleração fundamental nas galáxias", 

Davi Rodrigues, astrofísico da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).

Para chegar a tal conclusão, o grupo liderado por ele estudou cuidadosamente a distribuição de estrelas e o movimento do gás em quase 200 galáxias próximas à Via Láctea.

Outros estudos semelhantes já haviam sido realizados, utilizando conjuntos pequenos e métodos estatísticos menos apropriados. De acordo com os autores, a robustez do novo achado está no fato de contar com uma grande amostra de galáxias e com o emprego de técnicas estatísticas mais elaboradas (como a estatística bayesiana). "Fizemos vários testes para selecionar as amostras de melhor qualidade. Todas as variações levavam a hipótese de existência da aceleração fundamental a ser descartada", afirma Valerio Marra, astrofísico da UFES.

De acordo com o estudo, as teorias que propõem uma nova constante nas fórmulas da gravitação necessitam de ajustes individuais de galáxia para galáxia. Isso estaria em desacordo com a própria ideia de alteração da gravidade para explicar os fenômenos do universo como um todo. “Essa é uma das evidências mais contundentes já encontradas para descartar as teorias alternativas à matéria escura”, diz Rodrigues.

Segundo os pesquisadores, a análise de algumas galáxias já seria suficiente para desacreditar o modelo. A combinação de todas as 200 galáxias faz com que a probabilidade de que a tal teoria esteja correta seja menor que 0,000000000000000000001%. “Apostar nessa teoria alternativa como ainda viável é uma das piores apostas que alguém pode imaginar hoje em dia”, completa o astrofísico líder dos estudos.

Mas como explicar o fato de que a inclusão da constante de "aceleração fundamental" conseguir explicar alguns fenômenos observados pontualmente? "Isso que aparece nas teorias como 'aceleração fundamental' pode ser a interação entre matéria usual e matéria escura. [A constante] pode ser usada como aproximação. Mas o ponto chave é que não existe como coisa 'fundamental'", explica. Em síntese, a ideia de afirmar que a gravitação funciona com uma nova constante, um dos pilares das teorias alternativas à matéria escura, foi jogada fora pelos pesquisadores.

Quer dizer que a matéria escura existe?

Afastar a principal teoria que nega a existência da matéria escura não significa confirmar a existência dessa bizarra substância.

É animador pensar que as leis da gravitação não precisam de ajustes, e que de fato deve haver algo que exerce influência significativa nas interações no interior das galáxias, que é mais abundante do que a matéria usual e que foi essencial para a formação e evolução do Universo.

Entre os candidatos a comporem essa matéria invisível estão objetos astronômicos excêntricos, como miniburacos negros e estrelas feitas de matéria exótica -- como possíveis estrelas de bósons. Outra possibilidade é a de que a matéria escura seja composta por partículas subatômicas pouco conhecidas, que só interagem com a matéria comum por meio da gravidade.

Os cientistas buscam detectar essas partículas na Terra, utilizando aparelhos detectores e aceleradores de partículas. Contudo, nada foi encontrado até agora.