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Fóssil de 587 milhões de anos mostra predadores mais antigos do continente

Microrganismos que viveram há mais de 587 milhões de anos onde hoje é o Mato Grosso do Sul eram predadores dos mares  - Tecamebas/Limeta lagenisformis
Microrganismos que viveram há mais de 587 milhões de anos onde hoje é o Mato Grosso do Sul eram predadores dos mares Imagem: Tecamebas/Limeta lagenisformis

Peter Moon

Da Agência Fapesp

24/07/2017 12h01

Quais são os fósseis mais antigos da América do Sul? No domínio dos eucariontes – do qual fazem parte plantas, fungos, animais (vertebrados e invertebrados) e todos os microrganismos unicelulares com núcleo e organelas (protozoários e microalgas) – os fósseis mais antigos descobertos têm entre 889 e 587 milhões de anos, esses seres habitaram os mares tépidos e rasos que cobriam a região onde é hoje o Mato Grosso do Sul.

Nenhum outro protozoário achado na América do Sul é mais antigo.

As tecamebas ou amebas tecadas viviam no interior de carapaças orgânicas microscópicas em forma de vaso, chamadas tecas. Os fósseis de tecamebas foram achados em Morraria do Rabicho, uma península fluvial no rio Paraguai, na qual se chega de barco, partindo do cais de Corumbá, 40 quilômetros rio acima. Os microfósseis foram encontrados em seixos próximo à base do Grupo Jacadigo, da era Neoproterozoica, anterior ao surgimento dos primeiros animais e quando a vida ainda estava confinada aos mares, pois os continentes eram desertos e sem vida.

Thomas Rich Fairchild, do Instituto de Geociências da USP (Universidade de São Paulo), possivelmente de protozoários, que tinham o formato de esferas, elipses e vasos, com tamanhos que mediam até 120 micrômetros (pouco mais de um décimo de milímetro). Na ocasião, Fairchild não chegou a descrever as espécies.

Em 2014, o cientista retornou a Morraria do Rabicho para coletar material, acompanhado pela paleontóloga Luana Morais. De volta a São Paulo, e com o auxílio de novas tecnologias de imagem, as amostras recém-coletadas revelaram uma diversidade de microfósseis até então desconhecida.

“Os fósseis são muito pequenos, menores que 200 micrômetros (0,2 milímetro). Não dá para visualizá-los a olho nu, só no microscópio. Em seu estudo de 1978, o professor Fairchild não diferenciou morfologicamente os vasos das tecamebas. Com os recursos de imagem atuais, conseguimos distinguir cinco morfologias diferentes. Duas delas pertencem a espécies já descritas, mas três são espécies novas”, disse Morais.

Bem conservados

Segundo Morais, as tecamebas do Mato Grosso do Sul fazem parte de um antigo grupo de protozoários em forma de vasos achado em quase todos os continentes.

A ocorrência no Brasil é a única na América do Sul até o momento. Os microfósseis são particularmente assemelhados a outros encontrados em rochas no Canadá, Estados Unidos e Noruega, com idades entre 811 milhões e 635 milhões de anos.

“Ainda não temos a idade estabelecida das tecamebas de Morraria do Rabicho. A datação está sendo feita. Por enquanto, o que se sabe é que teriam entre 889 e 587 milhões de anos”, disse Morais.

O estado de conservação é tal que, a partir do uso de aparelhos de imagem sofisticados no laboratório de Schopf, em Los Angeles, foi possível determinar não apenas a estrutura tridimensional das tecas, mas também a presença de sílica na parede de algumas delas.

“A descoberta sugere que nesse grupo de eucariontes unicelulares já haviam espécies capazes de reforçar suas paredes com compostos não orgânicos, uma habilidade que muitos milhões de anos mais tarde permitiria a irradiação de organismos com conchas, na chamada ‘Explosão Cambriana’”, disse Fairchild.