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Clique Ciência: Por que os animais adotam bichos de outras espécies?

Cintia Baio

Colaboração para o UOL

01/09/2016 06h00

Após ser rejeitado pela mãe, um pequeno macaquinho é adotado por uma gata. No mar, uma baleia cuida de um golfinho. No zoológico, a nova mãe do filhote de tigre é uma porquinha. A adoção de animais de outras espécies não é algo raro e acontece principalmente entre os mamíferos.

Até agora, os estudiosos ainda não chegaram a uma conclusão sobre o que realmente leva esses animais a cuidar de outros filhotes --inclusive daqueles que poderiam ser suas presas. No entanto, o que muitas pesquisas apontam é que o ato pode estar muito mais relacionado aos mecanismos biológicos e ao instinto de sobrevivência dos animais do que a um sentimento "altruísta". 

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Imagem: Arte/UOL

Choro de bebê

Um estudo publicado na revista americana Naturalist, por exemplo, apontou que fêmeas de alguns mamíferos respondem prontamente a gritos de filhotes, mesmo sendo eles de outras espécies (como cachorros, gatos e até bebês humanos).

Os biólogos Susan Lingle e Tobias Riede gravaram o "choro" de filhotes de várias espécies e o reproduziram em florestas do Canadá.

Sempre que o choro soava nos alto-falantes escondidos, as fêmeas de veados da região corriam em direção ao ruído --coisa que não acontecia quando o som era de animais adultos.

Segundo os pesquisadores, o choro do filhote é sinal de uma situação grave, e as fêmeas podem ter evoluído para responder rapidamente nessas situações. "A vantagem de garantir a sobrevivência da sua prole supera o potencial erro", disse Lingle à revista New Scientist

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Koko, que nasceu em um zoológico nos EUA, "pediu" um gato de estimação a sua treinadora
Imagem: Ron Cohn/Gorilla Foundation/koko.org

Instinto materno?

Os filhotes são na maioria das vezes adotados por fêmeas. Segundo Patrícia Monticelli, professora de etologia da USP, isso acontece porque há alterações hormonais que desencadeiam o comportamento materno ao longo da gestação e do parto, deixando as fêmeas mais propensas aos cuidados.

"Mas há espécies, como alguns peixes e aves, em que os machos agem como mães. Nesses machos também há um quadro hormonal que regula o comportamento e o cuidado”, explica.

Por outro lado, os filhotes que precisam de cuidados ao nascer contam com um “sistema comportamental de reconhecimento do cuidador e de estabelecimento de vínculo”, ou seja, ele escolhe o melhor cuidador.

Casos domésticos e em cativeiros

Em alguns casos, como animais domésticos, criados em cativeiro ou zoológicos, a adoção pode acontecer com base na teoria do imprinting (ou estampagem). Funciona assim: ao serem retirados do convívio com a mãe já nas primeiras horas de vida e inseridos em outro habitat, com outra “mãe”, esses filhotes passam a “acreditar” que pertencem à nova espécie.

Como exemplo, a professora cita um caso onde um filhote de tigre foi criado por uma porca.

Tigres são animais difíceis de se reproduzir em cativeiro e é comum a mãe matar os filhotes. Então, a saída é tirar os recém-nascidos e criá-los ou colocá-los com outra mãe

Para a pesquisadora, esses tigres crescerão achando que são porcos.

"A experiência das primeiras horas após o nascimento nos marca para sempre, nos carimba e mostra o modelo de quem você é enquanto espécie", conclui.