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É como ouvir após surdez, diz físico que ajudou a provar teoria de Einstein

Gabriel Francisco Ribeiro

Do UOL, em São Paulo

12/02/2016 06h02

A última quinta (11) foi histórica para a ciência. O anúncio de que ondas gravitacionais previstas por Albert Einstein há 100 anos na Teoria da Relatividade foram identificadas mudará a astrofísica e promete fazer “ouvidos humanos” chegarem a pontos longínquos do universo. Sim, os ouvidos. É esta a principal metáfora utilizada por quem atuou no projeto, como o italiano Riccardo Sturani, que atualmente é pesquisador do IFT-Unesp (Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista).

“Temos agora um novo canal para explorar o universo. É como se, depois de uma surdez, começássemos a ouvir. Tem um mundo novo que vai ser descoberto. Vamos detectar fontes que não eram detectadas, como buracos negros. Vamos poder ouvir mais objetos, porque não emitindo luz não podem ser vistos. Agora podemos ouvir as assinaturas deles, como produzem e como se comportam no espaço-tempo”, disse Sturani, em entrevista ao UOL.

A comparação com nossos ouvidos tem um motivo curioso: segundo o pesquisador italiano, as ondas gravitacionais têm a mesma frequência de ondas sonoras. A diferença entre ambas, contudo, é grande: enquanto ondas sonoras são levadas pelo ar, as gravitacionais são carregadas pelo espaço-tempo.

Como é possível saber a origem da onda?

Onda gravitacional - Caltech/MIT/LIGO Laboratory/Handout via Reuters - Caltech/MIT/LIGO Laboratory/Handout via Reuters
Este é um dos equipamentos nos Estados Unidos que ajudou a captar ondas gravitacionais pela primeira vez na história
Imagem: Caltech/MIT/LIGO Laboratory/Handout via Reuters

O pesquisador participa do estudo que revolucionou a astrofísica desde 2008, quando ainda estava em seu país natal. Sturani ajudou no desenvolvimento da modelização do sinal na Itália até 2012. Em 2013, veio ao Brasil e seguiu atuante no projeto, com análises de dados. O anúncio de quinta veio para corroborar o trabalho de físicos de 16 países, mas foi anunciado por norte-americanos - entenda mais sobre a pesquisa.

Nos Estados Unidos, estão situados os dois equipamentos que captaram as ondas gravitacionais, identificadas como produzidas pelo choque de dois buracos negros de tamanhos modestos a mais de um bilhão de anos-luz. Como é possível ter a certeza disso?

“Tem uma mudança na frequência da onda. A partir de como muda dá para estimar a massa dos dois buracos negros. A partir da massa e da distância, dá para saber a amplitude dos buracos negros. Dá para medir a distância comparando com a massa e a mudança da frequência. A precisão das massas é de 10%, até pouco menos. A da distância é de 50%”, explicou Sturani.

As implicações do estudo – Big Bang mais perto de ser “ouvido”?

Big Bang - Thinkstock - Thinkstock
Big Bang também deve ter gerado ondas gravitacionais
Imagem: Thinkstock

Mas o que mudará com o estudo? Muita coisa. Primeiro, que a Teoria da Relatividade prevista por Einstein está agora totalmente comprovada. Mais importante que isso é que cada vez mais eventos do universo poderão ser identificados – como dito, antes só tínhamos olhos para o universo que permitiam enxergar apenas o que emite ou reflete luz, agora também temos ouvidos.

“Podemos chegar mais fundo no universo, as ondas gravitacionais não interagem com quase nada. É uma viagem no passado tanto quanto é a arqueologia. A amplitude delas diminui com a distância, mas tirando isso ela se propaga muito. Se encontra uma galáxia no meio, não perde energia. Isso é bom porque fontes distantes não perdem energia, mas um lado ruim é que precisa de equipamentos muito sofisticados. A energia das ondas é pequeniníssima”, contou Sturani.

Se pudemos ouvir as ondas de dois buracos negros que se fundiram há muito tempo, quer dizer que estamos mais perto de captar o nosso Big Bang, correto? Mais ou menos, de acordo com o pesquisador italiano.

“Do Big Bang daria para conseguir, tem a possibilidade que tenha produzido ondas gravitacionais, mas em outra frequência. Precisaria de um detector completamente diferente. São detectores que identificam ondas gravitacionais cósmicas de fundo, são ondas gravitacionais super-pequenas, dos primórdios. Já estão pesquisando, mas até agora não tiveram evidências”, relatou o pesquisador da Unesp.

Primeiro anúncio foi só o início

As ondas gravitacionais foram captadas por equipamentos chamados de LIGO, que estão nessa investigação desde 2002. Por oito anos, nada foi captado. Em 2010, passou por uma recalibragem e ficou ligado por quatro meses a partir de setembro do último ano. Os dados já anunciados que revolucionaram a ciência dizem respeito apenas a análises de dados das duas primeiras semanas. Nos próximos meses, outras novidades podem surgir.

A novidade, contudo, não para por aí. No fim deste ano, o equipamento ganhará um terceiro detector, que está sendo instalado na Itália. Com este terceiro objeto, será possível triangular as ondas gravitacionais – ou seja, poderá identificar de que direção do universo ela teve origem e aí levar os dados para um observatório tradicional apontar o telescópio. O LIGO ainda está em constante atualização e estima-se que sua sensibilidade máxima seja alcançada em 2020. É difícil imaginar quais informações ainda estão por vir.