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Clique Ciência: por que não podemos viajar ao passado?

Cena do filme "De Volta para o Futuro", em que um adolescente vivido por Michael J. Fox viaja no tempo, graças à invenção do cientista interpretado por Christopher Lloyd - Reprodução
Cena do filme "De Volta para o Futuro", em que um adolescente vivido por Michael J. Fox viaja no tempo, graças à invenção do cientista interpretado por Christopher Lloyd Imagem: Reprodução

Tatiana Pronin

Do UOL, em São Paulo

10/03/2015 06h00

Viajar para o futuro não só é possível, como os astronautas fazem isso o tempo todo. E voltar ao passado? Bom, aí já é querer demais. Alguns cientistas até admitem essa possibilidade, contanto que a Terra e seus arredores não sejam o ponto de partida: isso só seria possível em uma galáxia muito, muito distante.

Respeitado no Brasil e no exterior, o cosmólogo Mário Novello, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), é desses cientistas que conseguem fazer até leigos pensarem "fora da caixa". E, além de insistir que o Universo já existia no momento do Big Bang, ele explica que o campo gravitacional da Terra e de seus arredores é muito fraco para permitir viagens ao passado. Mas faz um porém: "É possível que haja configurações diferentes da nossa vizinhança", diz.

Para entender melhor o que ele diz, é bom lembrar que, a partir das descobertas de Albert Einstein, descobriu-se que o tempo é relativo, trazendo à tona, digamos assim, várias formas de se viajar nele.

"Um corredor de Fórmula 1 é algumas frações de segundo mais jovem, ao final de uma corrida, que os seus colegas de mesma idade que permaneceram nos boxes. Isso foi comprovado experimentalmente com aviões a jato e relógios atômicos superprecisos", ensina o físico Cássius Anderson de Melo, professor da Universidade Federal de Alfenas - Campus Poços de Caldas e da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

"Também quando se está em um campo gravitacional mais forte, o tempo passa mais devagar (nosso 'tic-tac' aqui é mais lento que aquele no espaço sideral, longe de tudo)", continua Melo. Isso é comprovado a todo momento pelos nossos aparelhos de GPS: se os computadores não corrigirem o tempo dos satélites (que tem um "tic-tac" mais lento que o nosso pela gravidade menor e velocidade maior), a posição marcada apresentaria erro.

Astronautas da Estação Espacial Internacional também experimentam esse tipo de diferença. A propósito, o cosmonauta russo Sergei Avdeyev é conhecido como o recordista humano em viagem no tempo - ao passar 747,5 dias na estação Mir, ele viajou aproximadamente 20 milissegundos ao futuro.

Teoricamente, se alguém conseguisse ultrapassar a velocidade da luz, conseguiria viajar ao passado. O problema é que, para isso se tornar possível – e muitos físicos acreditam que não é, seria preciso uma quantidade absurda de energia.

Os buracos de minhoca seriam outro caminho para se viajar no tempo-espaço. "Entretanto, como soluções matemáticas consistentes, eles não podem violar o Princípio de Causalidade, ou seja, você não poderia viajar para o passado em um ponto do espaço tridimensional que te permita influenciar na sua própria história", afirma o professor da Universidade Federal de Alfenas.

Em outras palavras, um buraco de minhoca poderia nos levar para o tempo dos dinossauros, mas somente em um ponto distante (do outro lado da nossa galáxia, digamos), de forma que jamais veríamos esses animais.

Os físicos mencionam sempre o "paradoxo do avô" ao abordar o assunto: se uma pessoa voltasse ao passado e matasse seu próprio avô, ela não teria nascido e, portanto, não teria como voltar ao passado.

"Há apenas uma única possibilidade de você voltar para um evento do seu próprio 'cone de luz passado' (um evento da sua própria história): é aquela em que a sua 'linha de mundo' (sua trajetória no espaço e no tempo) forma uma 'linha de tempo fechada', ou seja, aquela em que a sua volta ao passado é a origem da sua própria história", descreve Melo.

Um dos maiores especialistas do mundo em "linhas de tempo fechadas" é justamente Mário Novello, autor de "A máquina do tempo: um olhar científico" (Ed. Zahar), entre outro livros. Suas teorias partiram dos pensamentos do matemático austríaco Kurt Gödel, que mostrou ser impossível viajar ao passado com o campo gravitacional a que estamos acostumados.

Gödel mostrou que, seguindo a teoria de Einstein sobre a gravitação, poderiam existir lugares no Universo nos quais o campo gravitacional é tão intenso que é capaz de permitir uma volta ao passado (o próprio Einstein, é bom dizer, não gostou muito dessas ideias, na época). O tema foi explorado em filmes e séries de ficção. Em vários episódios da série Star Trek, as naves Enterprise utilizam fortes campos gravitacionais aliados aos "motores de dobra" para viajar ao passado.

Se considerarmos que o Big Bang não foi o início do Universo, e que, de repente, existem vários Universos ou mesmo galáxias onde as leis físicas são diferentes às que conhecemos, nada impede que alguém viaje no tempo e mate seu avô sem deixar de existir, já que o avô desse universo paralelo não seria o mesmo avô que ele matou.

Para Novello, o mais provável é que, no retorno ao passado, haveria perda de informação. Ou seja: a pessoa não teria consciência de que voltou no tempo. "A questão é que passado e futuro podem não estar distantes como estão na nossa vizinhança, e até esses termos teriam que ser revistos", observa. Uma realidade que, a princípio, não parece tão excitante para nós quanto a apresentada na trilogia "De Volta Para o Futuro", de Robert Zemeckis.

Sim, dá um nó na cabeça. E, acredite, não é algo que deva se limitar às obras de ficção. Novello entende que, no mundo atual, cientistas estejam mais interessados em desenvolver técnicas ou equipamentos do que em entender a natureza, como faziam Galileu e Kepler, seus grandes inspiradores. Mas ele lembra que buscar respostas para as perguntas "quem somos nós" e "de onde viemos" é o que deu origem ao pensamento científico.

"Por 30 anos, a maior parte dos cientistas propagou que o Universo surgiu há poucos bilhões de anos, com o Big Bang. Nós, cosmólogos, precisamos ir além disso - faz parte do nosso conhecimento como espécie humana", conclui.