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Clique Ciência: por que sentimos cócegas?

De Aristóteles a Darwin e até hoje, os pesquisadores ainda procuram as explicações para o fato de sentirmos cócegas - Thinkstock
De Aristóteles a Darwin e até hoje, os pesquisadores ainda procuram as explicações para o fato de sentirmos cócegas Imagem: Thinkstock

Tatiana Pronin

Do UOL, em São Paulo

29/10/2014 06h00

Você pode achar que tem coisas mais importantes para pensar, mas saiba que grandes personalidades já se debruçaram sobre a função das cócegas, de Aristóteles a Charles Darwin, incluindo uma porção de biólogos e psicólogos evolucionistas.

Todo comportamento humano (ou animal) tem sua razão de ser, mas apesar de muitos estudos sobre o tema terem sido conduzidos até hoje, o motivo que nos leva a dar risada quando alguém cutuca nossa axila ainda parece não ter uma resposta definitiva.

Sua função principal -- um sistema de autodefesa que nos faz reagir quando uma aranha ou um mosquito toca a nossa pele, por exemplo -- não traz grandes polêmicas. O estranho é rirmos por causa disso. E o mais curioso é que, enquanto algumas pessoas odeiam cócegas, a ponto de esse estímulo já ter sido usado como forma de tortura, há pessoas (crianças, principalmente) que até pedem para receber cócegas.

O fato de não sentirmos vontade de rir quando fazemos cócegas em nós mesmos, somado à evidência de que ninguém reage bem ao receber cócegas de um estranho, já levou muitos pesquisadores a considerar que o fenômeno não é um reflexo, mas uma resposta social. Tanto que a "brincadeira" é frequente entre pais e filhos e costuma ser um dos primeiros sinais do desenvolvimento do humor nos bebês, por volta dos seis meses.

“Acho que se trata de um reflexo complexo”, opina a psicóloga e pesquisadora Christine Harris, da Universidade da Califórnia, em São Diego, em resposta enviada ao UOL por e-mail. Apesar de pessoalmente detestar quando alguém tenta lhe fazer cócegas, ela já realizou uma série de experimentos e escreveu vários artigos sobre o tema. 

Em um texto publicado na revista American Scientist, em 1999, a pesquisadora apresenta a análise de diferentes pensadores sobre essa enigmática característica dos seres humanos. Aristóteles, por exemplo, observava que sentir cócegas até certo ponto é prazeroso. Mas depois de um certo limite torna-se uma tortura. Ele também chegou a comentar que o fator surpresa é primordial para a sensação, assim como a autoria de outra pessoa.

Tipos de cócegas

O psicólogo G. Stanley Hall refinou essa visão e estabeleceu, em 1897, que existem dois tipos de cócegas: a “cnismese”, aquela sensação mais leve que temos quando uma formiga sobe na nossa perna, e a “gargalese”, a risada provocada por uma esfregada intensa embaixo do braço, na sola do pé ou outra parte sensível, por exemplo.

Vários animais apresentam a cnimese, que parece ter a função evolutiva clara  de nos proteger de bichos perigosos. Mas a gargalese é que deixa os cientistas de cabelo em pé. Só os seres humanos, chimpanzés e alguns macacos parecem ter esse tipo de reação, e ela funcionaria como uma manifestação de carinho e conexão entre os primatas.

Reação involuntária

Francis Bacon, outro pensador citado por Christine Harris, observou que mesmo um homem em luto é capaz de soltar uma risada se alguém lhe fizer cócegas. E, conforme um experimento feito pela pesquisadora com voluntários, a gargalhada ligada a essa reação não tem, mesmo, nada a ver com humor. Ela comprovou que assistir a uma comédia não faz ninguém sentir mais cócegas, assim como ter uma pena deslizando na sola dos pés não faz alguém rir mais ao ver um programa engraçado.

Essa visão das cócegas como uma resposta involuntária foi corroborada por alguns neurocientistas. Eles observaram que elas estimulam os receptores (ou terminações nervosas) na pele ligados à dor e à pressão. E cogitaram que as áreas mais vulneráveis aos estímulos são aquelas com mais receptores, como as solas dos pés, as axilas, a nuca, a barriga e as orelhas. Pessoas com problemas de sensibilidade tátil tendem a sentir menos cócegas.

Eles também concluíram que, embora uma pessoa seja capaz de provocar o reflexo do chute nela mesma, acertando um ponto específico do joelho, há outro tipo de reação automática que ninguém é capaz de provocar em si mesmo: o susto.

Christine chegou a fazer um experimento curioso, com uma máquina de fazer cócegas, e descobriu que 50% dos voluntários riam da mesma forma quando sabiam que estavam sendo estimulados por um equipamento. Ou seja: a risada provocada pela reação nem sempre depende da interação social. Tudo isso levou a pesquisadora a concluir que se trata de um reflexo, sim, só que mais complexo e, provavelmente, ligado a mais de uma função.

Funções diferentes

Uma delas seria facilitar o apego entre pais e filhos. Perceba que o “ataque” de cócegas vem sempre acompanhado de um sorriso e desperta outro em troca, o que faz o autor rir mais ainda. Tudo isso acaba virando uma brincadeira divertida, associada para sempre com a risada, o que explicaria o fato de continuarmos mostrando os dentes ao sentir cócegas mesmo estando de mau humor.

A segunda provável utilidade da reação seria “ensinar” o ser humano a defender partes vitais do corpo durante um eventual combate: pescoço, peito, barriga e pés, por exemplo. Afinal, sempre reagimos às cócegas levando às mãos à região atacada. Mas Christine vê um "furo" nessa teoria: o fato de quase não sentirmos cócegas nas mãos, ferramentas importantes para a autodefesa.

A terceira hipótese, abraçada pela pesquisadora, é meio que uma mistura das duas anteriores. E ajuda a explicar por que damos risada ao nos defendermos, como se estivéssemos implorando para o outro continuar com o ataque: “Se as cócegas produzissem uma expressão facial negativa, membros da mesma espécie seriam menos propensos a se envolver em lutas lúdicas -- impedindo, assim, o desenvolvimento de habilidades de combate que têm valor para a sobrevivência”.

As reflexões levam a crer que as cócegas podem dar pistas importantes sobre o fato de ainda estarmos no planeta. Mas Christine lembra que nem todo comportamento humano necessariamente esconde uma explicação tão racional. Como Stephen Jay Gould e outros biólogos evolucionistas já observaram, alguns fenômenos podem ser apenas o efeito colateral de algum mecanismo desenvolvido para determinada função.